Alfredo Fedrizzi, conselheiro e consultor
Nos dias atuais, desinventar é inovar. Quem me conhece sabe que sou curioso e gosto de estar com gente que me inspire. Outro dia tive um encontro com uma pessoa assim, simples, que sabe muito, se interessa pelo planeta, pensa diferente, provoca. Falo do líder indígena brasileiro Ailton Krenak, considerado um dos principais pensadores do Brasil. Depois de uma sequência de palestras que fez em Londres, veio a Lisboa. Sua palestra lotou e muita gente ficou de fora.
São mais de 100 milhões de pessoas andando de um lado para outro, sem um espaço para viver
Antes de começar, conversei com ele sobre meu trabalho do Mestrado em Antropologia na Universidade de Lisboa e falei do desejo de contribuir para que minhas filhas e meus netos vivam em um mundo melhor. A conversa resultou em convite para um café da manhã no hotel onde estava hospedado. Krenak fala calmamente, brinca e faz colocações fortes que nos levam a refletir sobre nossas vidas. Para ele, precisamos desinventar muita coisa. Desacelerar. Viver com menos pressa. Optar pela simplicidade.
Com a sabedoria dos povos originários, aponta a nossa falta de coragem para fazer algo contra o que acontece com o planeta. São mais de 100 milhões de pessoas andando de um lado para outro, sem um espaço para viver. “Por que continuamos produzindo o desastre que acaba com os mundos e produz gente sem mundo, movendo-se por aí?” Fala sobre o perigo que nós, humanos, representamos para todas as espécies, da falta de respeito pelos outros que vivem na terra – não humanos, rios, montanhas, florestas, oceanos. Defende que precisamos desmontar as grandes cidades. Questiona a ideia de humanidade: “Se eu posso ver famílias inteiras afundando em um bote sem lugar para ancorar, só mesmo um louco vai dizer que a gente é humanidade”.
Assim como eu, os portugueses gostam muito do que ele pensa. Um dos principais jornais do país dedicou seis páginas para uma entrevista com ele. Krenak fala de coisas simples, que todos nós sabemos, mas parece que esquecemos. A sensação é de que corremos atrás do crescimento a qualquer preço, destruindo as condições de sobrevivência no planeta. Mas não é só do planeta que descuidamos, é de nós próprios. Krenak afirma: “A única coisa que é para sempre é a natureza. Não os humanos. Muita gente acredita que o humano é eterno. E não é. Muitas espécies já foram extintas. Somos o ‘humo-sapiens’. Vamos virar adubo. Somos compostagem, adubos da terra”. A grande Rita Lee já dizia: “Se Deus quiser/um dia eu viro semente/E quando a chuva molhar o jardim/ah, eu fico contente/E na primavera vou brotar na terra”. É despertar ou desesperar. O mundo pede mais afeto.