Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Quando falo sobre pobreza em aula, gosto de começar perguntando quantos naquela sala se consideram pobres. Geralmente, ninguém se acusa. Pergunto, então, o que é pobreza. Boa parte das respostas relaciona pobreza com a falta de dinheiro. Insisto e pergunto de quanto dinheiro estaríamos falando: a pessoa é pobre quando falta dinheiro para fazer o quê? E aí começa o debate que realmente interessa, que é discutir o âmago da ideia de pobreza. Quem é pobre não pode fazer o quê, quando comparado com alguém que não é considerado pobre? Comer bem? Vestir-se adequadamente? Ir ao cinema?
Se reduzimos um fenômeno social complexo à individualidade, limitamos o debate
Do ponto de vista empírico, quando se trata de política pública no Brasil (e em boa parte do mundo), a mensuração é quase sempre baseada em linhas monetárias. Isso significa definir um ponto de corte entre ser ou não pobre. Em estudo que desenvolvemos no PUCRS Data Social, divulgado no final do ano passado, partimos de referências do Banco Mundial e adotamos um ponto de corte de R$ 467,67 por mês. Quem vive com menos do que isso é considerado pobre. Assim, o Brasil fechou 2021 com 28,3% da sua população em situação de pobreza.
Mas, afinal, esse número é definitivo? Quão pobre é o Brasil? Questionar os números tem a ver com discutir o próprio conceito de pobreza. Estuda-se isso há muito tempo e, até hoje, não há consenso estabelecido. Do ponto de vista do debate público, no entanto, a ideia de pobreza é fortemente relacionada à falta de dinheiro e ao que a situação pode implicar para o indivíduo, especificamente. E isso está conectado a como as informações sobre pobreza chegam e são processadas pelas pessoas.
Estudos têm apontado que a mídia foca a cobertura sobre o tema da pobreza excessivamente no aspecto individual, isto é, na situação corrente das pessoas. Claro, são elas, na sua individualidade, que auferem menos do que aquela linha definida. No entanto, o fenômeno pobreza é estrutural. Trata-se de um problema social, que acomete um contexto comunitário – os sujeitos não são pobres sozinhos, mas estão numa situação social de pobreza.
Então, hoje, me parece que tão relevante quanto o número de pobres ou o valor da linha adotada, é compreender pobreza como algo estrutural. Trata-se de identificar a realidade ampliada (e multidimensional) das pessoas. Se reduzimos um fenômeno social complexo à individualidade, limitamos o debate sobre soluções estruturais com potencial definitivo.