Uma semana depois de o país assistir à invasão e aos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes, fica ainda mais claro que a tentativa de golpe contra a democracia ocorrida na capital federal no dia 8 de janeiro foi protagonizada por uma parcela radical de eleitores bolsonaristas que, embora numerosa, não representa a totalidade dos que votaram no ex-presidente da República. Entre os mais de 58 milhões de brasileiros que deram o seu voto a Jair Bolsonaro estão, na sua maioria, eleitores de direita, conservadores e liberais que o fizeram por convicção ou porque discordam do projeto petista liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso não significa que essa maioria defenda o radicalismo e a violência vistos em Brasília.
Pelo contrário, é bem provável que esses cidadãos também tenham ficado estarrecidos com as cenas de selvageria transmitidas ao vivo para o país. E certamente uma parcela expressiva de eleitores de Bolsonaro desaprova a invasão e apoia as punições impostas aos baderneiros que armaram uma tentativa de golpe contra a democracia e destruíram o patrimônio público – como comprovou pesquisa divulgada na última quarta-feira pelo Datafolha em que 93% dos entrevistados condenam a ação e 46% dizem que todos os invasores deveriam ser presos. Esses percentuais incluem bolsonaristas e antipetistas. Por isso, não é justo que todos recebam o mesmo rótulo infamante dispensado aos golpistas.
Os opositores do atual governo ou apenas defensores de outras propostas para o país devem continuar tendo o direito de se expressar publicamente
Os opositores do atual governo ou apenas defensores de outras propostas para o país devem continuar tendo o direito de se expressar publicamente e de defender suas ideias livremente. Generalizações, neste momento delicado por que passa a sociedade brasileira, tendem a derivar para o extremismo punitivo, para o macarthismo e para perseguições. Exemplo claro disso foi a recente publicação do nome e da foto de um servidor do Banco do Brasil num site criado para identificação dos autores do vandalismo, apenas porque um observador o achou parecido com o personagem de um vídeo divulgado no dia da invasão. Segundo foi apurado posteriormente, o homem estava em outra cidade e sequer participou de qualquer manifestação.
Todos os brasileiros devem ter o direito de se manifestar, de criticar e protestar como assegura a Constituição, seja contra governos ou instituições públicas e privadas. Se realmente vivemos em uma democracia plena, não apenas é permitida como também é saudável e desejada a defesa de projetos e ideologias que representem a pluralidade de pensamentos. Só não cabe a incitação a qualquer tipo de crime e a ações violentas. Aí a questão passa para as alçadas policial e judicial.
Por não vivermos na ditadura reivindicada por alguns manifestantes golpistas que espera-se que as pessoas presas em flagrante no ato de depredação estejam recebendo tratamento civilizado e compatível com os direitos humanos. Diferentemente do que costuma ocorrer em regimes autoritários, caracterizados por torturas e até eliminações de inimigos políticos, os vândalos e defensores do golpe contam com a garantia da Justiça e com o acompanhamento de seus advogados, do Ministério Público, da OAB e da imprensa. Por ironia, é justamente a democracia atacada que lhes garante isso.