Mais do que preocupante, a elevação do número de feminicídios no Rio Grande do Sul, pelo segundo ano seguido, indica a urgência de ações abrangentes e eficientes para prevenir a violência contra as mulheres. Cada vez mais fica comprovado que feminicídio não é apenas caso de polícia, ainda que a vigilância e a punição rigorosa dos agressores continuem sendo indispensáveis. Antes, porém, é uma questão de educação – familiar e escolar –, pois os autores desses crimes hediondos costumam ser formados (ou deformados) numa cultura patriarcal e machista que, infelizmente, ainda predomina na sociedade brasileira.
A situação gaúcha é realmente assustadora. De acordo com o Mapa dos Feminicídios elaborado pela Polícia Civil, 106 mulheres foram assassinadas no ano passado por questões de gênero, um aumento de 10,4% sobre o registro de 96 casos do ano passado, que já era muito ruim. Os relatórios assinalam uma retomada da trajetória ascendente, pois os números fatais vinham diminuindo entre 2018 e 2020.
A educação para a igualdade de gênero precisa ser implementada, tanto no âmbito familiar quanto nas escolas
Na verdade, não são apenas números: são vidas interrompidas, famílias enlutadas, órfãos, o pior desfecho para relações humanas que deveriam ser regidas pelo amor, pelo afeto e pelo respeito mútuo. A dimensão dessa tragédia humana no Estado pode ser observada no detalhamento do relato policial sobre as ocorrências de 2022: das 106 mulheres assassinadas, 89 eram mães. E 43 desses crimes deixaram 95 crianças e adolescentes na mais traumatizante das situações familiares, de ter um pai como assassino da mãe.
Ainda que as estruturas governamentais e policiais venham se aperfeiçoando para combater o feminicídio, com a criação de delegacias especializadas, orientação de defesa às mulheres e atenção às medidas protetivas, há carência de ações mais efetivas voltadas para a prevenção. Nesse contexto, a educação para a igualdade de gênero precisa ser implementada, tanto no âmbito familiar quanto nas escolas.
Meninos e meninas precisam aprender desde cedo que todos somos iguais em direitos e deveres, como diz a nossa Constituição, mas também que o respeito recíproco é condição imprescindível para a vida em comum. Para isso, é urgente atacar a cultura machista, o preconceito e a discriminação às mulheres, tudo o que significar dominação de um ser humano sobre o outro. O fator preponderante da violência doméstica continua sendo a ideia equivocada de que o homem é dono da mulher, da filha, da enteada, da sobrinha ou de qualquer dependente feminina de seu círculo relacional. Muitos ainda confundem proteção, que em certos casos pode ser necessária, com propriedade, o que, em se tratando de seres humanos, é sempre abominável porque implica dominação e submissão.
A educação para o respeito passa também pelo enfrentamento de tabus, como a resistência ao debate de temas sexuais nas escolas. Uma criança que não aprende a verbalizar sua fisiologia dificilmente vai entender quando está sendo abusada em casa. A prevenção passa também pelo uso de linguagem adequada no tratamento de questões de gênero, na abolição de piadas machistas que desmerecem e constrangem as mulheres. Muitas vezes aquilo que começa com uma simples brincadeira de mau gosto evolui para a violência psicológica, para a lesão corporal e até para o homicídio. O Mapa do Feminicídio é um indicador extremamente útil, porque também reflete, em números trágicos, a consequência desse histórico descaso educacional que precisa ser corrigido.