O dia seguinte ao vandalismo que envergonhou os brasileiros registrou um grande movimento nacional pelo fortalecimento da democracia no país. Ao mesmo tempo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os chefes dos demais poderes da República se reuniam no Palácio do Planalto com os 27 governadores para reafirmar seus compromissos com o Estado democrático de direito, manifestantes convocados por entidades sindicais e partidos políticos foram às ruas das grandes cidades para reivindicar prioritariamente um desejo expresso nas duas palavras da grande faixa exposta na Avenida Paulista, na capital do Estado mais populoso do país: Democracia e Paz.
Ao depredar as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, numa ação golpista organizada e financiada por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, os vândalos acabaram despertando não apenas a revolta dos democratas, mas também a consciência de que a maioria dos brasileiros tem valores republicanos a preservar. Por isso nenhum governador, mesmo os que se opõem politicamente ao atual governo federal, recusou o convite para viajar a Brasília e manifestar solidariedade às instituições agredidas. Ainda tendo como cenário o rescaldo da destruição de domingo, foi extremamente simbólica a descida da rampa do Planalto protagonizada pelos chefes de poderes, lideranças estaduais e municipais, todos de braços dados na direção de um futuro mais tolerante e democrático para o país.
Um primeiro passo é compreender que os conflitos de ideias continuarão existindo, mas que podem ser resolvidos com diálogo e tolerância
A própria reunião – pública, com acesso amplo da imprensa – já foi exemplo de transparência e democracia. Em sua manifestação, depois de ouvir atentamente todos os convidados, o presidente Lula fez questão de dizer que os culpados pela ação terrorista serão punidos, mas assegurou que não haverá perseguições: “Nós não seremos autoritários com ninguém, mas também não seremos mornos com ninguém”. Lembrou ainda que as pessoas podem não gostar umas das outras, mas devem aprender a conviver democraticamente na diversidade. Antes dele, o governador gaúcho Eduardo Leite já manifestara que o respeito ao resultado das urnas ultrapassa qualquer divergência política, e o paulista Tarcísio de Freitas, que foi ministro do governo Bolsonaro, prognosticou o fortalecimento da democracia brasileira depois do que ocorreu no final de semana.
A inédita sintonia entre os principais dirigentes da nação refletiu-se nas ruas com a desmobilização dos acampamentos de golpistas nas proximidades dos quartéis, seguidas de manifestações pacíficas em defesa da democracia. Porém entre as promessas públicas e a prática, ainda há uma grande distância a ser percorrida por todos que não compactuam com o radicalismo, independentemente do lado que ocupam no espectro político do país. Um primeiro passo para quem efetivamente quer contribuir com a paz social é compreender que os conflitos de ideias continuarão existindo, mas que podem ser resolvidos com diálogo e tolerância. Ou, em último caso, pela legislação. Basta, como sugeriu no encontro a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão, levar a sério uma frase de efeito elaborada pelo ex-ministro do STF Ayres Britto: “Salve a Rainha, ou salve-se quem puder. A Rainha é a Constituição”.
É, também, a nossa cartilha de democracia e paz.