Eduardo Leite renunciou ao governo do Estado na quinta-feira ainda tentando, de alguma forma, viabilizar uma candidatura à Presidência da República. A intenção aqui não é fazer elucubrações sobre o seu futuro político, mas analisar a sua passagem pelo Piratini. Ao sopesar conquistas, avanços, derrotas, promessas cumpridas e quebradas, após três anos e três meses pode-se afirmar com grande segurança que foi uma gestão exitosa.
No cotejo entre feitos e desapontamentos, Leite teve muito mais acertos e triunfos, tanto administrativos quanto políticos
Homem de diálogo, Leite teve sucesso ao formar uma ampla maioria na Assembleia. Aprovou quase tudo que encaminhou ao parlamento, à exceção do projeto de reforma tributária. Sem votos necessários para uma vitória, optou por retirar o texto. No restante, a despeito de dificuldades pontuais, levou adiante pautas inadiáveis e indispensáveis para começar equacionar a crise financeira crônica do Rio Grande do Sul, como as reformas da previdência e administrativa, racionalizando despesas com pessoal, o calcanhar de aquiles do Estado. Mesmo que, para isso, tivesse de enfrentar a pressão de corporações.
Com uma base mais ampla em relação ao governo que o antecedeu, conseguiu avançar em temas sensíveis como a dispensa de plebiscito para privatizações. Obteve, ao fim, a melhor saída possível para a problemática CEEE-D, inviabilizada por uma dívida gigantesca e que sequer ICMS vinha recolhendo. Na busca por qualificar a infraestrutura rodoviária do Estado, processos de concessão de estradas estão em andamento ou já foram concluídos, como o caso da RS-287. Pelas demonstrações reformistas e de austeridade, como foi também a aprovação do teto de gastos, o Estado obteve aval para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal da União.
O esforço para sanear as contas do Estado deu frutos. Tanto que o Rio Grande do Sul encerrou o ano passado com um superávit substantivo de R$ 2,5 bilhões. Foi o primeiro balanço no azul desde 2009. Parte do aumento da arrecadação, é impositivo registrar, pode ser creditada à alta da inflação e ao socorro federal devido à pandemia, mas é dever também reconhecer o resultado do empenho para conter despesas e potencializar receitas, buscando equilibrar as duas colunas, o que permitiu ao Piratini ter outra vez capacidade de fazer investimentos.
A pandemia, aliás, foi um desafio de proporções inéditas para gestores em todo o mundo. Ao seguir os ditames da ciência, Leite fez um enfrentamento responsável à crise sanitária, conciliando a prioridade à preservação da vida com a reabertura das atividades econômicas assim que possível. Ainda na área da saúde, teve o mérito de quitar dívidas que se arrastavam por anos com os municípios para a manutenção de programas de atendimento à população. Na segurança, manteve a queda consistente dos indicadores de criminalidade iniciada no governo José Ivo Sartori, embora nas últimas semanas um repique de violência na Capital e em algumas cidades do Interior chame a atenção e demande novas providências.
Apesar do saldo positivo, Leite teve reveses, não conseguiu cumprir todas as promessas e, em alguns pontos da administração, ficou devendo melhores resultados. Frustrou, por exemplo, o compromisso de colocar em dia o salário do funcionalismo no primeiro ano de governo, como se comprometeu, indicando que a dificuldade não era apenas uma questão de reorganização de fluxo de caixa, como afirmava na campanha. Os vencimentos começaram a ser pagos sem atraso somente a partir do final de 2020. Mesmo dispondo de dinheiro e tempo, o governo falhou na reforma das escolas, fechadas por longos períodos durante a pandemia, levando muitas a reabrir com uma série de graves deficiências estruturais. A crise no IPE Saúde, que ameaça o atendimento a mais de 1 milhão de usuários, é outro exemplo de tema negligenciado.
No cotejo entre feitos e desapontamentos, reitera-se que Leite teve muito mais acertos e triunfos, tanto administrativos quanto políticos. Mesmo as relações com a oposição, apesar de embates duros, ocorreram dentro dos limites da civilidade e da institucionalidade. Por ambas as partes, acrescente-se. Nos estranhos tempos vividos pelo Brasil, o espírito democrático de governantes e a capacidade de obter consensos mínimos que permitam avanços devem ser valorizados. No fim das contas, mesmo que o Rio Grande do Sul ainda não tenha solucionado estruturalmente as suas dificuldades fiscais, os primeiros passos foram dados para o enxugamento e a modernização do serviço público. A máquina estatal ganha melhores condições de servir à população, e não consumir todos os impostos basicamente para a sua manutenção. Assim, o Estado passa a ser um facilitador, e não um entrave ao desenvolvimento.