Em meio à pressão dos servidores federais por reajustes de salários, inclusive com ameaça de paralisação de serviços essenciais, dois equívocos cometidos por altas autoridades da República tendem a agravar a situação. O presidente Jair Bolsonaro erra ao prometer aumento apenas para uma categoria, a de policiais federais, e o procurador-geral Augusto Aras põe mais gasolina na fogueira ao conceder pagamentos extras de quase R$ 500 mil aos procuradores federais.
Como era previsível, a dupla insensibilidade atiça a revolta dos servidores que estão com os salários congelados desde o início da pandemia. Alertado para o risco de um protesto mais significativo neste início de ano eleitoral, o presidente da República já está mudando o seu discurso, mas ainda persiste com uma ideia preocupante: suspensão do aumento discriminatório e concessão de reajustes a todos os servidores federais. Ora, sem qualquer questionamento ao mérito desses trabalhadores, todos sabem que inexiste previsão orçamentária para tais gastos.
Não há mais justificativa para a manutenção de privilégios
De outra parte, embora não seja ilegal o pagamento concedido aos procuradores federais em dezembro passado, o valor elevado choca o país e evidencia uma deformação do serviço público que precisa ser erradicada. Não há mais justificativa para a manutenção de privilégios como licença-prêmio a cada cinco anos de trabalho conversível em dinheiro e auxílio-alimentação de até R$ 1,8 mil por mês para servidores que já são bem remunerados.
Os abusos cometidos por algumas corporações e os penduricalhos acumulados por outras acabam prejudicando a imagem do serviço público que também abriga uma maioria de trabalhadores alijados do sistema de privilégios. Tanto quanto eles, porém, quem tem o direito de se revoltar é o trabalhador civil, que enfrenta inflação, desemprego e contribui com impostos elevados para a manutenção da máquina estatal.
Além disso, quando servidores públicos paralisam suas atividades como ameaçam fazer as categorias federais não contempladas pelas promessas de reajuste, quem acaba ficando no prejuízo é a população. Governantes e políticos em geral, como é do conhecimento de todos, vivem num mundo à parte, protegidos por regramentos oportunistas e vantagens autoconcedidas.
Ainda que se deva evitar a generalização, os dois exemplos examinados neste comentário evidenciam a pouca eficiência dos mecanismos fiscalizatórios. Cabe aqui repetir um antigo questionamento dos regimes democráticos: “Quem fiscaliza o fiscal?”. Para que o abuso de poder seja contido – ensinou Montesquieu –, é necessário que o poder faça o poder parar.
Porém, se os mecanismos oficiais de controle não funcionam adequadamente, cabe à sociedade civil fazer valer o seu direito democrático de crítica e de voto. Antes que o circo pegue fogo por conta da insensatez dos atuais ocupantes do poder, cabe uma mobilização conjunta de rejeição aos desmandos por parte das ONGs que atuam na fiscalização dos gastos públicos, da imprensa comprometida com os interesses da sociedade e de todos os cidadãos que em breve serão chamados para eleger novos governantes.