Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
O filme “Eu, Daniel Blake”, de Ken Loach, narra a saga de um cidadão pelo sistema previdenciário Britânico para obter o auxílio financeiro por incapacidade física para o trabalho. Dificuldades de todos os tipos lhe são impostas: desde o atendimento sem empatia que recebe no balcão até a necessidade de preencher formulários online (coisa que ele desconhece). No entanto, o filme não é apenas uma crítica à burocracia, mas é um grito de humanidade. A história de Daniel Blake, ali, materializa o tanto da dignidade das pessoas que é violentada por sistemas que as tratam apenas como CPF.
Sempre lembro deste filme quando acompanho a busca dos brasileiros por direitos. Acessar um benefício seguidamente envolve a incerteza de ser ou não elegível, filas e ausência de comunicação. E isso é particularmente sensível no caso de programas de assistência social direta, como os programas de transferência de renda.
Sempre que existe a oferta de um novo benefício, o ônus da prova do merecimento e a busca ativa pelo acesso é quase que exclusiva do beneficiário. A questão é como isso funciona. O exemplo mais recente são as grandes filas, com muitas horas de espera, para os porto-alegrenses retirarem o seu Cartão Cidadão, através do qual receberão transferências diretas do Estado. Estas, oriundas do programa de devolução do ICMS (R$ 400,00 por ano) e do estímulo à educação (R$ 150,00 por mês).
A história de Daniel Blake, ali, materializa o tanto da dignidade das pessoas que é violentada por sistemas que as tratam apenas como CPF
São programas meritórios e bem concebidos, de modo que poderíamos sugerir que a fila é o de menos, é fruto de um elemento operacional pontual difícil de gerenciar, que seria complicado fazer diferente. Eu discordo. Deixar um cidadão em situação de vulnerabilidade por horas na fila, abaixo de sol e chuva, para que consiga retirar um cartão é uma falha na prestação da assistência social, não apenas uma eventualidade.
Você poderia me questionar se eu gostaria, então, que o cartão fosse entregue na casa das pessoas ou que cada um tivesse um horário agendado em algum local, por exemplo. Sim, acho que seria o ideal! Estes beneficiários estão em situação de extrema vulnerabilidade. Eles nunca precisaram do Estado mais do que agora. E este mesmo Estado tem obrigação de oferecer o auxílio ao mesmo tempo que resgata e garante a dignidade das pessoas. Assistência social não é só recurso, é estar presente. Daniel Blake lutaria pelo cartão em casa, eu aposto