Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
O mês de outubro registrou o último pagamento oficial do Bolsa Família. O programa está sendo extinto, depois de 18 anos, para implementação do Auxílio Brasil. De um lado, o novo programa está sendo chamado pelo governo federal de “bolsa família turbinado”. De outro lado, percebemos uma proposta repleta de incongruências e incertezas. E enquanto o debate político segue, os beneficiários estão diante de um limbo, sem saber bem o que acontecerá com o benefício que, em muitos casos, o permite não passar fome.
Até poderíamos citar algumas características que seriam consideradas melhorias na proposta do Auxílio Brasil em relação ao Bolsa família. Mas, elas não resistem ao amontado de incertezas e à desconstrução de elementos que vinham funcionando bem há quase duas décadas. O Bolsa Família era um programa amplamente reconhecido e testado. Ainda que tenha seus problemas – entre eles a defasagem nas definições das linhas de corte e dos valores transferidos –, tratava-se de uma política de assistência social focalizada e eficiente. Seu desenho baseado em gestão descentralizada e condicionalidades demonstrou melhorar a condições de vida das famílias em diversas dimensões – educação e saúde das crianças, saúde materna, vacinação, entre outras.
Neste contexto, não seria o caso de substituí-lo, mas melhorá-lo. O governo alega que o “turbinou”, que está propondo um programa melhor. Não está. A proposta do Auxílio Brasil é frágil, apressada, repleta de problemas de desenho. Problemas que não resolvem as fragilidades do Bolsa Família e ainda adicionam incertezas e uma série de problemas de coordenação para execução da política de assistência social.
Enquanto o debate político segue, os beneficiários estão diante de um limbo, sem saber bem o que acontecerá com o benefício que, em muitos casos, o permite não passar fome
Para além das questões técnicas, me parece que o problema mais sério é político. O desenho atrapalhado do Auxílio Brasil, associado à delicada situação fiscal do país, o torna refém do debate político na definição do seu orçamento – o que estamos vendo antes mesmo da sua implementação. Isso faz dele um programa clientelista, ou seja, uma moeda de troca política. O tipo de coisa da qual não nos orgulhamos na história da política brasileira e que, requentada, vem com tudo.
O Bolsa Família nunca foi clientelista. Suas origens remontam o governo de Fernando Henrique, sua consolidação nos governos Lula, sua persistência em Dilma e Temer. Era um programa de Estado. O Auxílio Brasil é um programa de governo, deste governo. É populista, na versão mais negativa do termo.