Diz o adágio que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. É uma analogia que cabe neste momento também para a Selic, elevada em 0,75 ponto percentual na quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. O juro básico da economia, após subir pela terceira vez seguida na mesma magnitude, está agora em 4,25% ao ano e, para o próximo encontro, não se descarta a possibilidade de a taxa subir até um ponto, tendo em vista a percepção de que a inflação não é tão transitória quanto imaginava o próprio BC há não muito.
A escalada dos preços costuma afetar essencialmente os mais pobres, um contingente que já vem sofrendo com o mercado de trabalho fraco e alimentos mais caros
A inflação elevada, na ordem de 8,06% nos últimos 12 meses, é um mal a ser combatido e, neste momento, a Selic é o remédio amargo adequado. A escalada dos preços costuma afetar essencialmente os mais pobres, um contingente que já vem sofrendo com o mercado de trabalho fraco e alimentos mais caros. Agora, é a fatura de energia que vai onerar o bolso dos mais humildes, fazendo com que seja imperioso lançar mão dos instrumentos disponíveis para deter a escalada das remarcações. E a mesma seca que vai influenciar a tarifa de luz pode atrapalhar também a produção agrícola e, por consequência, aumentar a pressão sobre os preços da comida.
Sabe-se que a inflação brasileira não é resultado de alta demanda interna. É um um fenômeno mundial, reflexo sobretudo da alta das commodities, devido à recuperação acelerada da economia chinesa, escassez de certos insumos industriais e mesmo aumento do consumo em mercados mais adiantados no combate à covid-19. A alta da Selic, no entanto, tem o condão de valorizar o real, pelo maior ingresso de dólares no país, e o câmbio é um dos fatores que mexem com os preços das commodities no mercado interno. É decisivo para a definição dos valores cobrados ao consumidor dos combustíveis e de muitos alimentos, por exemplo.
Subir o juro básico da economia, por outro lado, tem o efeito colateral de afetar o custo do crédito e inibir a economia. Trata-se muitas vezes de uma decisão difícil, mas agora fica mais cristalina a percepção de que a Selic estava fora do lugar e, por isso, o BC tem de correr também para ancorar as expectativas dos agentes da economia e preservar a sua credibilidade. Mas, para conter a inflação, não é a única via. Uma sinalização positiva mais consistente do governo federal na parte fiscal também ajudaria a reforçar a certeza de que não haverá perda de controle. O certo é que, no momento, com o IPCA acelerando e bem acima da meta para o ano, de 3,75%, e da margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, o BC agiu corretamente também ao passar a mensagem de que pode ser mais duro no aperto monetário.