Militar respeitado pelas suas qualidades técnicas e pelo currículo recheado de bons serviços prestados ao país, o general da ativa Eduardo Pazuello não teve o mesmo sucesso no mundo civil. A constatação fica ainda mais nítida depois da análise do desempenho do ex-ministro da Saúde de Jair Bolsonaro na CPI da Covid. Já nas primeiras respostas de seu depoimento se delineava uma escolha: defender um projeto de poder, e não de país.
Hierarquia e obediência só fazem sentido se vinculadas a valores mais amplos e que conversem com uma visão de futuro coletivo
Não resta dúvida de que lealdade é um atributo fundamental e sinônimo de honradez, mas, tanto no mundo dos que usam farda quanto no dos que não a vestem, hierarquia e obediência só fazem sentido se vinculadas a valores mais amplos e que conversem com uma visão de futuro coletivo, tanto de nação quanto de mundo. Não foi, infelizmente, o que se observou nas diversas imprecisões, evasivas e omissões de um Pazuello engravatado, mas dezenas de vezes chamado de general pelos senadores que compõem a comissão encarregada de investigar as falhas na gestão de pandemia que já matou mais de 440 mil brasileiros.
Dois dos capítulos mais constrangedores ao longo dos dois dias de explicações do ex-ministro foram marcados pelo jogo de empurra. Um, na criminosa falta de oxigênio que ceifou centenas de vidas em Manaus, capital do Amazonas. Outro, na injustificável demora para deslanchar a compra de vacinas, o que só foi feito depois que boa parte do mundo já absorvia a produção dos laboratórios, jogando o Brasil para o fim de uma fila que deveria encabeçar. O resultado é que o país, apesar de ser uma das nações mais afligidas pela pandemia, figura mal no ranking de pessoas imunizadas em relação ao tamanho
da população.
Tampouco foi minimamente crível a sustentação de que nunca recebeu ordens diretas de Jair Bolsonaro, apesar da famosa passagem em que é visitado pelo presidente e, de forma constrangedora, admite que "um manda e outro obedece". O episódio, nunca é demais lembrar, ocorreu após Bolsonaro desautorizá-lo quanto ao anúncio do avanço de negociações para a compra da CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac. Ficou cristalino o esforço para blindar o agora ex-chefe.
Não se discutem, aqui, boas intenções. Olhando para a biografia de Eduardo Pazuello, fica óbvia sua vontade inicial de ajudar o país. Mas, infelizmente, o general parece ter sido mais um a sucumbir no pântano da política civil. Quando pôde sair dele, optou por defender quem o empurrou para a lama. Corre o sério risco ver a reputação que conquistou antes de chegar à Esplanada dos Ministérios manchada para sempre.