A aprovação das duas primeiras vacinas contra a covid-19 no Brasil é um momento histórico, que será lembrado como passo decisivo para a erradicação da doença entre nós. As decisões da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que cumpriu seu papel de analisar tecnicamente a questão, são, porém, um ponto de partida. Para que todo esse esforço, tantas vezes atrapalhado pelo próprio governo federal, faça algum sentido, é preciso agora garantir que todos os brasileiros recebam a proteção, cumprindo rigorosamente a ordem de prioridades ditada pelos parâmetros da ciência. É ela que nos ensina: diante de uma pandemia dessa dimensão, que só no Brasil já ceifou mais de 209 mil vidas, o coletivo se impõe ao individual, conforme lembrou, com propriedade, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, uma voz lúcida em meio a tantas hesitações, omissões e bravatas do governo federal.
Os brasileiros já poderiam, a exemplo dos cidadãos de dezenas de outros países, estar sendo imunizados há semanas, não fosse a falta de planejamento e de cuidado de autoridades cuja função primeira deveria ser a de cuidar das pessoas.
Não existe clamor de liberdade individual legítimo que não leve em conta o bem-estar e a segurança do próximo
A batalha politiqueira pela foto do primeiro vacinado já se tornou insignificante diante da relevância de uma outra imagem, a do último brasileiro a receber a sua dose do imunizante. É nessa direção que devemos, imediatamente, investir todas as nossas energias. Mas, infelizmente, a disputa pelo poder e pelos votos na próxima eleição parece sobrepor-se ao óbvio. A má politização da vacina, tanto por Brasília quanto por São Paulo, deve agora ceder espaço à cooperação. Para isso, além do esforço coordenado de todas as esferas da administração pública, é inadiável garantir a adesão da população. Não será uma tarefa fácil, especialmente quando o presidente da República tantas vezes despreza e até debocha da real solução para a mais grave crise sanitária e, por consequência, também econômica, a assolar o planeta em séculos de história. Não existe clamor de liberdade individual legítimo que não leve em conta o bem-estar e a segurança do próximo.
Estimular as pessoas a se vacinar é tão importante quanto oferecer as vacinas. Campanhas de conscientização, com dados científicos e em linguagem simples, são fundamentais. Além delas, é preciso atenção para não cair na armadilha da radicalização. A vacina não vota nem defende essa ou aquela corrente ideológica. Ela tem a obrigação de ser eficiente, barata e acessível. Deixemos, pois, a vacina fazer a única coisa que ela realmente deve fazer: salvar vidas.