Dizia o juiz da Suprema Corte dos EUA Louis Brandeis (1856-1941) que "a luz do sol é o melhor desinfetante". Com a frase, o magistrado norte-americano referia-se à necessidade de sempre existir transparência quanto aos atos e medidas ligados à administração pública e aos governantes. É direito dos cidadãos saber a verdade sobre fatos de seu interesse e, assim, moldar de forma consciente a sua opinião a partir do conhecimento de todos os elementos que os cercam. No caso de eventos catastróficos como a atual pandemia de covid-19,
Ter acesso aos dados reais significa melhores condições de tomar atitudes que podem salvar vidas
torna-se um imperativo maior a livre mas responsável circulação de informações. Afinal, ter acesso aos dados reais significa melhores condições de tomar atitudes, individuais ou de Estado, que podem salvar vidas.
Uma robusta reportagem publicada no fim de semana pelo jornal norte-americano The New York Times, em parceria com a agência ProPublica, mostrou como o governo chinês se esforçou para censurar informações sobre o início da crise sanitária. Ao tentar controlar o fluxo de informações e minimizar a gravidade do surto, pode ter impedido que a população local exposta tomasse os devidos cuidados para evitar a disseminação do agente infeccioso e, ao mesmo tempo, que outros países agissem rapidamente para se precaver.
É inegável que em um segundo momento a China teve grande eficiência para controlar o vírus, mas mesmo assim não cessaram as desconfianças. Até hoje há dúvidas na comunidade internacional sobre se o número de apenas 4,6 mil mortes é verdadeiro. Essa incredulidade, entretanto, não deve ser extrapolada para embasar teorias conspiratórias sobre a origem da pandemia ou alimentar xenofobia. Afinal, tentar omitir a verdade não foi uma exclusividade chinesa. O famoso jornalista norte-americano Bob Woodward, em seu livro Rage, revela que o presidente dos EUA, Donald Trump, passou semanas deliberadamente escondendo do país a gravidade da crise, a qual ele já conhecia. O próprio Trump confessou a estratégia para Woodward. A desculpa, como parece ser a do caso chinês, foi evitar pânico. Mas, se a magnitude do problema tivesse sido informada antes de forma clara e didática à população, talvez fosse possível ter hoje números menos dramáticos do que as cerca de 320 mil mortes.
O Brasil também teve o seu episódio de tentativa de mascarar informações quando o Ministério da Saúde ousou mudar o método de contar os números de infectados e mortos pela covid-19. Mas, diferentemente da China, o Brasil é uma democracia, com instituições que funcionam como contrapeso ao Executivo. E conta com uma imprensa livre e combativa. Rapidamente, vários veículos formaram um consórcio para contabilizar diariamente os dados e, pressionado, o governo federal teve de voltar atrás. Viu que não teria sucesso qualquer tentativa de manipulação.
A necessidade de plena translucidez, entretanto, não deve ser exigida apenas quando há busca deliberada por esconder informações e diretrizes. No Estado, por exemplo, as trocas de regras e o sistema de cogestão acabaram gerando uma confusão sobre o que vale, especialmente para empresas e pessoas que precisam compreender o que podem e o que não podem fazer. Até para conseguirem se planejar com antecedência e um mínimo de segurança – o que também é dificultado pela imprevisibilidade da pandemia. Mas mais clareza na comunicação seria melhor.
Seja por razões jurídicas, éticas morais ou políticas, a transparência é um bem da democracia e um ativo da população, que, no fim, é quem sustenta a máquina pública. Deve, portanto, ser compreendida como um valor essencial e sempre praticada e defendida.