Seria uma afronta aos brasileiros e à grande maioria dos servidores do país a promoção em massa de 607 procuradores federais da Advocacia-Geral da União (AGU). Menos mal que diante da repercussão negativa do caso, houve um bem-vindo ato de responsabilidade e constrangimento, com a suspensão, ontem, do ato. Mesmo assim, a normalidade com que o acinte transitou no coração do governo revela a pouca preocupação com a penúria fiscal do país e com as agruras dos demais trabalhadores. A medida abortada simplesmente alçaria os beneficiados – à exceção de um – ao topo da carreira e faria com que 92% da categoria se localizasse no cume salarial da função. Mais um entre tantos outros escárnios que conduziram à criação de castas no serviço público nacional, distanciando cada vez mais segmentos privilegiados imunes a crises da realidade do grosso da população.
A tentativa de ascensão maciça expõe vícios e distorções entronizados no serviço público
A tentativa de ascensão maciça expõe vícios e distorções entronizados no serviço público do Brasil. Um dos mais evidentes é a, em regra, indiferença à meritocracia. Quando a quase totalidade de uma categoria chega ao teto da remuneração, muitos apenas por tempo de serviço, fica claro que os critérios de promoção estão longe do justo. A progressão passa a ser vista como um direito absoluto alcançado apenas com o passar dos anos. Imagine-se se nas Forças Armadas todo oficial que saísse de uma academia militar chegasse inevitavelmente ao posto de general de quatro estrelas. A aberração ensaiada na AGU também expõe a baixa diferença entre os salários de ingresso e o topo das carreiras, deformação que precisa ser corrigida pela reforma administrativa, reduzindo os vencimentos iniciais.
Algumas semanas atrás, o ministro da Economia, Paulo Guedes, opinou que, em alguns cargos públicos, o topo da carreira remunera mal. Não deixa de ter razão em uma comparação com posições de grande responsabilidade na iniciativa privada. O problema é o salário de ingresso, em patamares impensáveis para funções semelhantes em empresas que não sejam estatais. Daí surgem consequências danosas, como o baixo estímulo à produtividade e ao aperfeiçoamento. Em algumas funções privilegiadas do funcionalismo, a base já é regiamente remunerada com mais de R$ 20 mil mensais e, com muito ou nenhum esforço, os aumentos e as promoções são certos. O baixo estímulo à progressão por desempenho para um fim de carreira que paga apenas 50% a mais faz com que cresçam as pressões para a migração célere rumo aos vencimentos mais altos. O próximo passo é a criação de penduricalhos e benesses para engordar os ganhos, driblando o teto do funcionalismo.
O caso da AGU pode ser ainda sintoma de que categorias tenham receio de alterações na proposta da reforma administrativa, devido à existência de um movimento para fazer seus efeitos valerem para os atuais servidores. Deve, portanto, servir para fortalecer a percepção no Congresso da necessidade de mudar regras não apenas para os futuros funcionários públicos.
A grande maioria do funcionalismo recebe salários bem mais modestos, mas, diante das distorções e das severas limitações fiscais em todos os níveis, é preciso cortar na carne onde for possível e gorduras onde for justo. Seria necessário ao menos congelar vencimentos por certo período e estabelecer novas alíquotas de contribuição previdenciária para a elite das categorias, além de desvincular salários no teto dos demais. Só assim poderá se começar a ter um mínimo de equidade e uma situação mais próxima da realidade do Brasil nas carreiras do serviço público federal.