Uma decisão do presidente Jair Bolsonaro que à primeira vista poderia parecer um sensato reconhecimento da necessidade de austeridade com as contas públicas foi, na verdade, apenas um jogo de cena e uma manobra para escapar da possibilidade de um processo de impeachment. Ao mesmo tempo que anunciou em suas redes sociais na noite de domingo que vetaria parte do perdão a dívidas tributárias de igrejas aprovado pelo Congresso, Bolsonaro sugeriu que o parlamento derrube o próprio veto e anunciou ainda a intenção de encaminhar uma proposta de emenda constitucional (PEC) para garantir uma imunidade mais extensa pretendida pelas organizações religiosas, um interesse claro de sua base evangélica.
Em meio a uma crise sem precedentes, Bolsonaro deveria ter responsabilidade absoluta com cada centavo público
A confissão do presidente de que optou por esse caminho apenas para se esquivar da possibilidade de afastamento, mas defende na prática o contrário, indo inclusive de encontro à posição de sua equipe econômica, foi um dos mais explícitos exemplos de como o ex-deputado corporativista enxerga o seu cargo. Agradar e beneficiar seus apoiadores, aliados e amigos e, portanto os seus próprios interesses eleitoreiros, é a prioridade de Bolsonaro no Planalto. No fim, o que se viu foi uma demonstração de populismo escancarado, misturado com uma postura não muito republicana de evitar assumir de forma oficial, com a força da caneta, o que realmente desejava. Como um presidente que administra um país com um enorme déficit fiscal e em meio a uma crise sem precedentes, Bolsonaro deveria ter responsabilidade absoluta com cada centavo público. Preferiu, outra vez, fazer um jogo duplo.
Pela Constituição, as igrejas têm imunidade tributária, uma forma de assegurar a liberdade religiosa. Também por não serem entidades com fins lucrativos. Mas lamentavelmente algumas organizações e templos atuam como se fossem empresas, inclusive remunerando regiamente seus líderes e dirigentes. Em alguns casos há até suspeitas de lavagem de dinheiro. Calcula-se que devam hoje cerca R$ 1 bilhão, fruto de fiscalizações e multas aplicadas pela Receita Federal, parte referente a cobranças de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou contribuição previdenciária pela distribuição de resultados e remunerações às suas cúpulas.
Há muitas igrejas sérias e comprometidas com o bem público, mas a forma correta para discutir dívidas tributárias não é pendurando jabutis em projetos de lei para aprovar anistias para lá de duvidosas na calada da pandemia, como fez um deputado filho de um pastor que lidera uma igreja com dívidas milionárias. Menos mal que um grande número de deputados que não se deu por conta do que estava votando, quando a matéria foi apreciada, está anunciando a revisão de seu voto, quando o veto do presidente for examinado pelo Congresso. Para o bem da moralidade e da austeridade com os cofres públicos, é imperioso que o parlamento brasileiro imponha uma derrota avassaladora e pedagógica ao despudor populista do presidente da República.