Por Lenio Luiz Streck, ex-procurador de Justiça, professor e advogado
Já fui um defensor do Júri. Atualmente, com um porém: ou reformamos o Júri, ou devemos deixá-lo de lado. Sei que não podemos extingui-lo. Porém, como está, fere a Constituição. Qual é o grande defeito do Júri? Simples. O jurado decide como quer. Decide por algo esquisito chamado "íntima convicção". Opiniões, desejos, raivas, amor: qualquer coisa cabe para "formatar" o voto do jurado.
Assim, por qual razão uma decisão tomada no "sim" ou no "não" pode decidir a vida de uma pessoa ou o sofrimento das vítimas? Um "sim" a mais absolve. Um "não" a mais condena. Já a justificação é deixada de lado. Entende-se desnecessária. Bizarro, não? Alguém dirá: sim, mas no EUA a maior parte dos processos é resolvida por Júri. Claro: só que lá os jurados conversam entre si e se exige unanimidade. Além disso, a estrutura e o funcionamento são bem distintos do Júri daqui.
O Júri parece piorar dia a dia. Com a simplificação dos quesitos, hoje se absolve por clemência e se condena por raiva. O Júri decide sem prestar contas e o juiz togado, quando julga, deve fundamentar. Ora, por que só o Júri não fundamenta?
Não fosse isso suficiente, agora o Supremo Tribunal quer transformar a decisão do Júri como se fosse uma decisão "tipo a do Tribunal". E já determinar a prisão. Como se o Júri esgotasse a matéria de fato. Ora, e se ele ignorar os fatos e absolver? Ou condenar? Como verificar?
Atenção: a Constituição garante o Júri e o sigilo das votações, mas não garante a íntima convicção. Em um Estado democrático, ninguém pode perder a liberdade por um detalhe de um "sim" ou um "não" nem ganhar a liberdade por isso, todos dados às escuras, sem o dever de dizer o porquê.
Parece piorar dia a dia e, com a simplificação dos quesitos, hoje se absolve por clemência e se condena por raiva
Para salvar, temos de reformar. Transformar o Júri em escabinato – tribunal formado por juízes leigos e técnicos que atuam e decidem em conjunto – não é proibido. A Constituição não exige que as decisões sejam tomadas por íntima convicção. O velho Código de 1941 é que exige.
Na reforma, temos de aproximar o Júri do que ocorre na França, em Portugal e na Espanha, com variações, é claro. Porque temos de exigir fundamentação. Disso não há dúvida. Logo, não pode continuar assim. Além do mais, nesses países o quórum para condenação não é maioria simples. A condenação não pode ser "tipo" 4 a 3, como por aqui.
Mudar para salvar. Eis o lema.