A estabilidade no setor público existe, teoricamente, para evitar que os servidores sejam perseguidos por razões políticas e, assim, se garanta uma eficaz prestação do serviço à população. Na prática, o que se observa, em muitos casos, é bem distinto. Um levantamento da Controladoria-Geral da União revelou que, entre 2003 e novembro de 2019, nenhum profissional estatutário federal foi demitido por desempenho insatisfatório. Existem hoje 610 mil pessoas trabalhando em serviços civis para o governo federal.
Houve, sim, desligamentos nesse período, boa parte deles motivada por denúncias comprovadas de corrupção. Mas a produtividade continua sendo um tabu para carreiras imunes às regras da lei e do bom senso exigidos em qualquer atividade profissional.
A produtividade continua sendo um tabu para carreiras imunes às regras da lei e do bom senso exigidos em qualquer atividade profissional
Como apontou o jornal Folha de S. Paulo, a reforma administrativa aprovada em 1998 previa a possibilidade de afastamento por mau desempenho. Na realidade, isso jamais ocorreu, pelo menos na esfera federal, sendo raríssimos os casos em Estados e municípios. Não se trata aqui da defesa de enfraquecimento do setor público. Ao contrário: é a percepção da qualidade do serviço por parte da população que pode garantir no futuro a manutenção da estabilidade e de outras vantagens, como aposentadoria diferenciada, além da valorização da carreira como um todo.
Nessa mesma linha, não encontra eco a afirmação de que existem funcionários públicos demais no Brasil. De acordo com o IBGE, eles representam 11,4% da força de trabalho nacional, fatia bem menor do que a registrada em muitos países desenvolvidos. Na Dinamarca, por exemplo, o percentual é de 35% e no Reino Unido, de 25%. Os problemas no Brasil são de outra grandeza. Em primeiro lugar, há disfunções enormes nas alocações – áreas com funcionários de menos, outras com excesso. Só uma ampla reforma administrativa poderia dar agilidade para se transferirem servidores para as áreas mais necessitadas, desonerando aquelas em que sobram funcionários ou onde suas funções já não se justificam mais. Outro problema: apesar de o número de servidores não ser tão alto, eles custam proporcionalmente, no Brasil, bem mais do que em outros lugares, distorção gerada pela manutenção e aprofundamento de privilégios para algumas categorias com enorme poder de pressão e influência junto a governos e parlamentos.
Nesse contexto, vale ressaltar o dano gerado aos cofres públicos por manobras contábeis que transformam em letra morta a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e seu dispositivo que autoriza cortes em pessoal quando determinados tetos de gastos forem atingidos. Um recente levantamento do Tesouro Nacional apontou que apenas sete Estados estão abaixo dos limites da LRF – em algumas unidades da federação, se todos os gastos com servidores ativos e inativos fossem contabilizados, poderia iniciar-se a diminuição legal dos quadros.
Em um país que se propõe a ser eficiente e justo, os servidores públicos são parte imprescindível das soluções e não o centro do problema. Mas, para que haja um efetivo reconhecimento e valorização desse setor fundamental, se faz urgente um choque de realidade que submeta a totalidade do serviço público à legítima cobrança por entregas de qualidade e em quantidade a quem efetivamente paga a conta – os contribuintes brasileiros.