Por Magali Mendes de Menezes, doutora em Filosofia e professora da Faculdade de Educação da UFRGS
No livro O Paraíso Destruído: a sangrenta história da conquista da América, Bartolomeu de Las Casas descreveu o processo violento da colonização. Em uma passagem, fala sobre a perseguição a um cacique que fora capturado para ser queimado vivo.
Depois de duras agressões, um religioso diz ao condenado que, se ele acreditasse em Deus, iria para o céu, e recebe de volta a indagação sobre se os espanhóis também iriam para o céu. O religioso responde que sim e a escolha é imediata: não quero ir para o céu, para não mais encontrar os espanhóis.
Cinco séculos se passaram e esta mesma cena segue sendo reproduzida na vida de vários povos indígenas no Brasil. O número crescente de lideranças assassinadas, as tentativas de apagamento da cultura, a proibição de se falar na língua originária e a falta de terra, educação e saúde diferenciadas são alguns dos problemas que persistem.
O assassinato da liderança wajãpi, no Estado do Amapá, infelizmente, não é um fato isolado, e sim uma brutal violência contra a vida e a cultura dos povos originários.
A colonização não terminou e segue derramando sangue e atacando direitos garantidos na Constituição depois de muita luta. Programas como Saberes Indígenas na Escola e Prolind estão ameaçados por falta de recursos. Contudo, esses povos nos ensinam a resistir, pois sempre viveram a fragilidade do que chamamos de democracia. Seguem em luta com a organização – há 15 anos – do Acampamento Terra Livre, a Marcha das Mulheres Indígenas e com as retomadas de terras ancestrais. Os povos indígenas re-existem, porque resistir não é uma opção: é sua única forma de existência!
Las Casas falava de um tempo em que era necessário comprovar a humanidade dos indígenas. Hoje percebemos que a chamada "civilização" é que perdeu todo e qualquer resquício de humanidade. Para Ailton Krenak, "quando o céu está fazendo uma pressão muito grande sobre o mundo, uma parte desses humanos está cantando e dançando para suspender o céu". E Las Casas já nos avisou quem está no céu.