Por Júlio Almeida, promotor de Justiça Aposentado
As reiteradas notícias de prisões de "pedófilos" por armazenamento/compartilhamento de imagens pornográficas de crianças/adolescentes têm chamado a atenção.
Os anos de trabalho como promotor de Justiça no combate à violência contra crianças/adolescentes me trouxeram a convicção de que os crimes flagrados no lamaçal da degradação humana são apenas a ponta de um iceberg.
Trabalhei com imagens envolvendo bebês, estupro coletivo de adolescentes, criança obrigada a praticar ato sexual em troca de uma boneca e outras cenas que não me acho no direito de descrever. Presenciei oferta de dois gigabytes de imagens de sexo com crianças por R$ 100; universitário praticando sexo virtual com menino de dez anos; carteiro abusando de adolescentes deficientes, cenas que causam náuseas mesmo ao mais experiente profissional da área de combate à pedofilia.
É enorme a distância entre o número de produtores, distribuidores e consumidores de material repugnante e a capacidade das forças de segurança e controle de coibir essa prática tão nefasta. Os novos recursos de informática, como aplicativos "protegidos" por criptografia, a facilidade de obtenção dos programas de acesso à deep web e o pagamento por criptomoedas têm sobremaneira incrementado a produção e consumo de material pornográfico infanto-juvenil.
O estereótipo do pedófilo recluso na solidão de seu quarto não é verdadeiro, pois o desvio sexual atinge todas as classes sociais, profissões, idades e condição cultural. E o mais grave: pesquisas americanas indicam que 70% dos consumidores desses materiais são também agressores sexuais presenciais.
A polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário estão fazendo a sua parte, ainda que com déficit de pessoal e equipamentos, pois além de prisões em flagrante, têm lançado teses inovadoras como a do estupro virtual, resultando em condenações consideráveis e demonstrando que tal criminoso não está à salvo em um suposto anonimato.
Agora, a família deve proteger suas crianças acompanhando seus contatos virtuais e a sociedade repudiar, reprimir e denunciar tais crimes às autoridades.