Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Imagine-se na pele de um analista de mercado que assiste ao vergonhoso discurso de Bolsonaro em Davos na mesma semana em que fica clara a ligação do filho dele (um de seus grandes aliados políticos) com uma milícia. Como pode esse analista continuar acreditando que este governo trará benefícios à economia brasileira? De fato, é difícil entender a cabeça dessas pessoas. Vou tratar aqui de dois aspectos do modelo mental de analistas financeiros, sobretudo no setor de investimentos, que levam a esse comportamento.
O primeiro é o tratamento dado a expectativas e à dificuldade de distinguir desejo e realidade. Expectativas são estoques, não fluxos. Cerca de um ano atrás, começaram a ser construídas, aos poucos, com base na promessa de que o governo Bolsonaro pudesse desfazer o emaranhado de obstáculos criado pelos governos da chapa PT-PMDB: política industrial desastrosa, aparelhamento de estatais, crescente complexidade tributária (em tempos onde tranquilamente havia capital político para fazer reformas nesse campo).
Embora as trapalhadas do novo governo agora comecem a desfazer essa expectativa positiva, esse processo leva tempo. Como esse é um fenômeno coletivo, presente no mercado como um todo, ele afeta preços, o que mexe com percepções de todos os agentes do mercado.
O segundo ponto é sobre o fato de a estabilidade ter um valor em si mesma no mercado financeiro. Ontem, o presidente em exercício, general Mourão, editou um decreto que provavelmente limitará investigações de casos como o de Flávio Bolsonaro. Se, por um lado, essa medida destrói valor por atentar contra a transparência das instituições e permitir corrupção, ela também gera estabilidade ao dar mais poder a governos que precisem abafar eventos para garantir governabilidade. E estabilidade significa menor risco, o que é bom para quem investe.
A promessa por trás desse governo tem a ver com trazer de volta um tempo em que os investimentos encontravam menos barreiras, riscos e escândalos, portanto mais estabilidade. É um discurso que funciona, visto que grande parte do sistema de incentivos por trás da gestão de ativos é baseado em uma necessidade de manter o status quo de quem possui fortunas.
Se analisarmos as maneiras como os grandes conglomerados financeiros globais construíram seu patrimônio, identificamos duas: ora utilizaram práticas que eram proibidas e que hoje são permitidas por conta do lobby dessas corporações, ora utilizaram estratégias que eram permitidas e que hoje são coibidas por serem consideradas falhas no sistema financeiro. Essa é a dinâmica da mudança das regras do jogo e da formação dos oligopólios (inclusive oligopólios de poder) que, aparentemente, esse governo conhece bem.