O fato de professar uma determinada fé em nada depõe contra qualquer pessoa, nem contra um integrante do futuro governo Jair Bolsonaro. É o caso da escolhida para comandar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, transformada em alvo de deboche depois de ter vindo a público seu testemunho sobre uma aparição de Jesus Cristo em uma goiabeira, quando criança. A Constituição e o bom senso garantem o direito individual da crença em Deus, bem como o de não acreditar.
Logo, assim como não causaria estranheza ou geraria críticas a indicação de um ministro ateu, também deveria ser revestida de absoluto respeito a escolha de uma mulher evangélica para o primeiro escalão da equipe do presidente eleito, que nunca escondeu o seu viés religioso durante a campanha. O deboche – que, nesse caso, é diferente de humor – é uma forma de preconceito inaceitável em uma sociedade democrática e plural. Como expressa o texto da Carta de 1988, "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias."
Deveríamos sim estar atentos, mas a outro aspecto da relação entre poder e fé. A separação entre Estado e religião é uma garantia para a liberdade de culto. Sempre que se misturam, a conta acaba se tornando elevada para a sociedade, gerando perseguições e violência. Um presidente e uma ministra podem ser religiosos, desde que jamais tentem utilizar a estrutura do Estado para impor uma determinada fé ou pautar comportamentos que destoem do fundamental princípio da liberdade.
Apesar da natureza completamente diferente, um outro fato, tornado público nos últimos dias, direcionou os holofotes da opinião pública para um viés distinto do mesmo tema. As denúncias contra o médium João de Deus, que teria molestado mulheres enquanto realizava supostas curas espirituais, não podem ser transformadas em motivo de ataque ao espiritismo, que rechaçou esse tipo de conduta por meio de entidades representativas.
É injusto e perigoso transformar eventuais crimes de indivíduos que se aproveitam da vulnerabilidade de pessoas com necessidade de apoio físico e espiritual em pretexto para discriminar e agredir coletivos. Defender esse preceito é obrigação tanto dos que têm fé, quanto dos que não têm. Sem isso, estaríamos todos ameaçados.