Por Luiz Carlos Susin, professor do programa de pós-graduação em Teologia da PUCRS
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O Natal é uma festa perigosa. Há quem fale em "síndrome natalina", certa tristeza, depressão natalina. A causa não está no fato óbvio de ter se tornado festa de mercado e de consumo, resumido em jogos de troca de presentes. Também não está no sentimento de injustiça porque alguns têm muito para comprar e consumir e há pobres crianças que precisam de socorro para ter um mínimo do banquete. O perigo da tristeza e da depressão está mais fundo, ronda no espírito mesmo do Natal e em sua compreensão.
Um pouco de história é útil: o Natal cristão foi uma lenta substituição da festa romana que celebrava, no solstício invernal de dezembro, o renascimento do sol e da luz, o natalis invicti solis. Era festa saturnal ou bacanal, que tinha elementos da festa dionisíaca dos gregos: excessos de energia e voluptuosidade, embriaguez e linchamento de um "rei momo" como oferenda para começar um novo ano, resquícios que encontramos em nossos Carnavais. Os cristãos fizeram sua leitura: começaram a celebrar o nascimento de Jesus, sol de reconciliação e paz. Ele é a luz no meio da longa noite.
A tentação, porém, é que o seu sentido pode retornar sempre para uma festa de origens. Ainda temos festas de origens: de cidades, de fundações, instituições. Lembra-se, com as origens, o ideal inicial, cheio de inspiração e energia, sobretudo de sonhos e crença. No caso do Natal, é ainda mais idealizado: contemplamos no presépio uma criança rodeada de ternura, uma harmonia entre os humanos e a natureza, o pastor com sua flauta, os reis magos, vindos de todas as raças e religiões, com seus presentes para reconhecer a importância da criança, encantando assim a mãe. No presépio reina a paz. E cantamos: "Noite feliz, noite de paz!".
Mas o mundo real não é assim. Há muitas crianças infelizes, há violência, insegurança em relação ao futuro. E a tentação pode se aprofundar se então voltamos para dentro de nós e nos refugiamos em nossa própria criança, em nossa infância inocente – que nós perdemos irremediavelmente. É então que a depressão natalina pode tomar conta: a criança inocente lembra nossa própria infância perdida, estamos jogados num mundo cruel onde não há retorno possível. Natal pode ser essa dolorosa confusão de sentimentos, nisso reside seu perigo. O resto é distração, cerimônias para espantar essa dor.
Qual, então, o espírito genuíno do Natal cristão? Voltemos ao presépio. Nele há uma estrela, símbolo de religião pagão para os reis magos pagãos. Acreditavam que uma estrela nova e grande no céu é alguém novo e grande na terra, nascimento de um rei. Eles foram então ao palácio. Herodes e a cidade ficaram perturbados. Mas então a estrela os guiou para um lugar humilde, na periferia. O menino foi encontrado entre o boi e o burro. Mais tarde, entre dois bandidos, na cruz. O Natal é o começo do caminho. Só a Páscoa gloriosa, olhando para o futuro, sustenta o bom espírito do Natal.