“Enquanto existirem as pessoas que amamos e por elas formos lembrados, permaneceremos nítidos e intocados”.
Não nascemos para morrer. Da pia batismal à cerimônia do adeus existe um tempo a ser construído com esplendor, como o fez Dona Santina de Carli Zaffari. A menina que ia descalça com seus colegas à escola e lavava as sandálias na sanga, hoje move-se lívida e comovida ao encontro da Senhora das Graças, a santa de sua devoção. A filha de Primo de Carli e Paulina Bernardi de Carli aos dezessete anos contrai matrimônio com Francisco José Zaffari, cuja imagem se perpetua indelével. A família terá doze filhos, educados no amor ao trabalho e na fé religiosa. Aquela jovem senhora que via nascer de suas mãos o pão que se repartia entre os seus e, à noite, na máquina de costura, confeccionava a roupa de seus infantes e vestidos de noivas para as mocinhas de sua pequena cidade do interior, estende agora suas mãos férteis para a eternidade. Ao assistir o comovente roteiro de três gerações, beijando, em gesto de despedida, o rosto daquela que foi, em todos os tempos, uma referência humana, senti a grandeza da vida e o milagre de sua continuidade.
O que marca a trajetória desta grande senhora? Os sonhos e projetos que outrora tivera ao lado de seu esposo Francisco José talvez tenham superado suas expectativas. Porém, nos pequenos gestos, nas lições de casa, foram modelados os signos definitivos que serão mantidos em todas as realizações de sua família. Sob a aparência simples e recatada existia uma fortaleza humana ante os desafios, a tudo atenta e participante, revelando a têmpera sólida dos imigrantes italianos.
As pessoas partem, levam sua sombra, mas sua luz permanece. Neste sentido, que facho luminoso nos lega Dona Santina. Não teremos mais aquele olhar claro, aquele sorriso bom ao nosso lado. Honrar sua lembrança há de ser um compromisso de todos aqueles que receberam a benção de seu convívio, sabendo que o mundo se fez mais belo quando nele pulsou aquele imenso coração. “Morrer acontece com o que é breve. Mãe, é para sempre” escreveu o poeta Drummond.