A execução da vereadora carioca Marielle Franco não é uma exceção e sim uma regra no modelo das relações sociais brasileiras, forjado na violência do sistema escravista e mantida no racialismo que rege também as relações pessoais. Essa violência que não vê rostos, nem nomes. Vê cor. Marielle, mulher negra, lésbica, periférica, que bradou por cidadania e direitos humanos, era um corpo indesejado num lugar de poder. Odiada por se opor e denunciar essa mesma violência, numa sociedade em que se defende abertamente que "direitos humanos só servem para defender bandido", que "bandido bom é bandido morto", e que elege racistas, machistas, homofóbicos e preconceituosos em geral por seus discursos.
A luta por dignidade, cidadania e direitos humanos segue e manterá Marielle presente
Marielle não é uma exceção. A cada dia, aproximadamente 80 jovens negros são mortos de forma violenta, a maioria executados, como foi a vereadora. Trata-se de uma continuidade das relações escravistas que usam a violência como forma de controle. A permanente tentativa de controle e silenciamento, além do extermínio físico, tem desdobramentos simbólicos. Júlio César de Melo Pinto, por exemplo, foi assassinado pelo Estado por ser negro e sua identidade tenta ser silenciada sob o epíteto “homem errado” – o documentário sobre Júlio entra em cartaz este mês em Porto Alegre.
O grito latente no filme ecoa o grito ainda presente de Marielle. É muito claro que a execução está ligada ao seu pertencimento de cor e gênero, pois a pauta da cidadania e direitos humanos é defendida por vários outros mandatos, mas ninguém foi assassinado por isso. Uma mulher negra, lésbica e periférica que usou a educação como instrumento de luta ousou atravessar a linha proibida aos que historicamente devem submeter-se ao controle e que visa manter as regalias dos que usam a violência física e simbólica para manter as coisas como estão. A luta por dignidade, cidadania e direitos humanos segue e manterá Marielle presente.