Todo assassinato é repulsivo e deve ser exemplarmente punido. Mas, quando atrocidades desse tipo atingem agentes políticos eleitos, mais um limite se rompe. É a representação popular e a própria democracia que se colocam em risco.
A morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), do Rio de Janeiro, juntamente com a do motorista Anderson Pedro Gomes, tem claros sinais de execução. E é uma demonstração de que o crime organizado acredita na impunidade.
Essa confiança dos criminosos, que se organizam sob a forma de verdadeiras milícias, só reafirma a perda de controle das autoridades de segurança do Rio. Ao mesmo tempo, endossa ainda mais a necessidade de uma intervenção federal como a que foi colocada em prática.
Desde junho de 2016 em situação de calamidade pública e com seu esquema de segurança ampliado com a presença das Forças Armadas a partir de setembro do ano passado, o Rio é o retrato cruel da falência do setor público no país. Sem dinheiro para pagar regularmente os servidores, o Estado ficou à mercê de uma polícia desmotivada, cujos integrantes também são vítimas da riminalidade e, ao mesmo tempo, estão matando mais.
Nesse ambiente equivalente ao de guerra civil, a corrupção se mostra cada vez mais associada às forças policiais. Uma das consequências desse descontrole é que alguns de seus integrantes passam a atuar em conjunto com os criminosos, subjugando moradores como os da Maré, onde a quinta vereadora mais votada do Rio despontou como líder, denunciando seus excessos contra a população.
Outro efeito direto da perda de controle do Estado sobre suas polícias e, em consequência, sobre o crime organizado, é o enfraquecimento de uma iniciativa em torno da qual havia grande expectativa no combate à insegurança: as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Um mês depois de decretada, a intervenção federal resta como última esperança de quem quer apenas viver em paz.
A situação registrada no Rio de Janeiro é justamente a que muitos outros Estados endividados do país não querem enfrentar. Outras unidades da federação já se defrontam hoje com níveis preocupantes de homicídios, que precisam ser revertidos enquanto é tempo.
O Rio é referência para o Brasil e para o mundo. Infelizmente, com esse atentado de repercussão internacional, ficou ainda mais parecido com a Colômbia dos anos 1990, quando políticos que se interpunham ao crime eram eliminados sumariamente.