Como não lembrarmos desses milhares de brasileiros dispersos pelo mundo ao ouvirmos Jorge Drexler interpretando Frontera? Se "as fronteiras se movem, como as bandeiras", nas palavras do compositor uruguaio, é nesse limite impreciso, como a Tacuarembó de suas origens, que lembramos a todo tempo de nossos filhos, dos filhos de amigos, de sobrinhos e netos arrastando suas malas de rodinhas por aí como navegadores de tempos pós-colonização. Ao invés de embarcações precárias como os desbravadores do Rio da Prata, ou de cadernos nos quais o francês Auguste de Saint-Hilaire registrava a exuberância da natureza no mundo meridional, esses personagens típicos de nosso tempo se valem apenas de seus smartphones. São uma espécie de piratas do bem, que buscam tesouros da mente em terras já desbravadas.
Muitas pessoas de nossas relações – a maioria jovens, algumas mais para crianças grandes – se defrontam hoje, longe de casa, com um cotidiano sem muitas verdades como o descrito na canção. Convivem num limite difuso e constante entre o próprio eu e o outro, tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão próximos naquilo que é essencial aos humanos. Passam os dias a circular entre paisagens e fusos horários desencontrados, a buscar a palavra e pronúncia exatas diante de guichês de estações, de portos e aeroportos. É um trânsito infindável entre lugares e relacionamentos, pois têm passaporte para a vida, livres como os ventos, que apenas mudam de forma e ganham novos nomes ao longo do trajeto.
São admiráveis esses seres privilegiados por conseguirem, de diferentes formas, trocar as certezas por territórios insondáveis, abdicando do aconchego da família, do conforto de casa, daquele quarto de uma estranha ordem, agora silenciado pelo vazio que dói, à espera. E assim se movem, às vezes em busca de algo calculadamente pensado, às vezes do imprevisível. Como esses que, no poema do espanhol Antonio Machado, fazem o caminho ao andar. E, com seus passos, que julgamos incertos, nos apertam o coração, nos fazem olhar para o céu, para dentro de nós mesmos, suplicando que estejam protegidos, que tudo corra bem, inclusive conosco.
Algumas vezes, nos surpreendemos por vê-los tomados pela mesma saudade que parecia ter se instalado inteira, e para sempre, em nosso peito. E aí desabafam diante de um cenário normalmente de pouco sol, de muito frio, de mais cidadania e menos desrespeito às pessoas, mas também de outros temores à espreita, nas ruas. Choramos juntos, mas logo nos damos conta de que longe, mesmo, é o horizonte no pampa. E, então, trocamos sorrisos entre lágrimas na tela do telefone celular. Se há amor, como diz a música – e mais os aplicativos para comunicação e redes sociais, é claro –, "toda distância se salva".
Que aproveitem, então, a liberdade de viver sem bandeiras, que balançam como as fronteiras. Quase não desfraldam mais a sua, que continuam venerando. Apenas a guardam dentro da bagagem, ou na mente, preservando-a para a comemoração de algum momento especial, que há de vir, com certeza, enquanto avançam os limites, pois são cidadãos do mundo.