Já se disse e redisse incontáveis vezes que Porto Alegre será palco hoje de um julgamento histórico por delinear os próximos passos que serão tomados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à campanha de 2018. Mas é bem mais do que o percurso jurídico de sua pré-candidatura à Presidência que será afetado por uma decisão neste 24 de janeiro. Do ponto de vista legal, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região examinará a decisão do juiz Sergio Moro, que condenou o ex-presidente a nove anos e seis meses por corrupção e lavagem de dinheiro. Na prática, seja qual for o encaminhamento – absolvição, condenação, adiamento ou arquivamento por prescrição –, o cerne do julgamento desvendará o grau de maturidade do país em defender o Estado de direito e a democracia, que, se espera, instalaram-se definitivamente no país com a promulgação da Constituição de 1988.
Um dos pilares do Estado de direito é o respeito às instituições que dão vigor a nações onde os poderes atuam de forma independente e os rituais da democracia são seguidos acima de tudo e de todos. No Estado de direito, um Judiciário livre e imune a pressões externas, no qual os juízes se apeguem às leis emanadas pelo Congresso e interpretadas pelas cortes superiores, é basilar para que os conflitos cedam lugar à harmonia ou, pelo menos, à coexistência pacífica de visões antípodas.
Por força de leis e ritos jurídicos, as idas e vindas de processos no Brasil estão entre as mais benevolentes a réus em todo o mundo. Se Lula tiver a condenação confirmada em segunda instância, sua defesa seguirá dispondo de um arsenal de medidas legais dentro da normalidade jurídica. Isso é parte do Estado de direito, assim como a necessária tranquilidade para que os juízes cumpram sua missão hoje em Porto Alegre com a independência, liberdade e qualidade técnica que têm caracterizado o TRF4. A decisão que porventura emanar da 8ª Turma, ressalve-se, não é o mais importante para o futuro do Brasil. A forma como ela for encarada é que o será.
Lula candidato ou não é apenas o prefácio de um momento histórico. O enredo completo deste período será escrito conforme se desenrolarem os capítulos seguintes. Agora ou mais adiante, é o respeito ao sistema democrático que estará sob os holofotes e sub judice. Pode-se concordar ou não com uma decisão judicial – afinal, é fato inalienável da atividade de magistrado desagradar a um dos lados. Mas quem deixar de cumpri-la, respeitá-la ou acatá-la estará atentando contra a democracia e o Estado de direito pelo qual tantos, inclusive o ex-presidente em julgamento em Porto Alegre, tanto lutaram no século passado.