Ao defender a reforma do Ensino Médio, o Ministério da Educação aduz, com frequência, os argumentos da urgência na alteração estrutural do atual sistema do ensino, bem como o da necessidade de flexibilização da grade curricular. Conforme o texto da reforma, a nova estrutura terá uma parte comum e obrigatória a todas as escolas, definida pela Base Nacional Comum Curricular, e outra parte flexível. As disciplinas obrigatórias no Ensino Médio serão matemática, língua portuguesa e língua inglesa. No que diz respeito ao que pode ser designado como "itinerário formativo", temos a seguinte divisão: 1) linguagens e suas tecnologias; 2) matemática e suas tecnologias; 3) ciências da natureza e suas tecnologias; 4) ciências humanas e sociais aplicadas; 5) formação técnica e profissional. Ainda segundo o Ministério da Educação, o Ensino Médio aproximará a escola da realidade dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho.
As reformas tendem só a piorar o que já está ruim.
No entanto, quem parece distante da realidade das escolas, dos professores e dos alunos é o próprio Ministério da Educação. A começar pela falsa promessa de flexibilidade no percurso de formação dos estudantes. Quem vivencia o cotidiano das salas de aula conhece de perto os problemas crônicos estruturais e de recursos humanos das escolas públicas, por exemplo. É evidente que o aprofundamento em áreas eletivas não dependerá da "livre" escolha do estudante, mas da oferta disponível das instituições. Por certo, quem ganhará com uma formação teórica mais sólida e com mais opções de um ensino propedêutico será o aluno das instituições de ensino privadas. Estas fornecerão aos seus estudantes um leque maior de percursos de formação e, nesse sentido, em vez da mudança facultar um acesso democrático ao conhecimento e ao saber, teremos uma reprodução de um mesmo sistema social injusto e desigual.
Na mesma linha, discurso do governo em relação a algumas disciplinas como artes, sociologia e filosofia dissimula, por deslocamento retórico, a importância desses estudos nos itinerários formativos. Na página do Ministério da Educação, no que se refere às dúvidas a respeito do novo Ensino Médio, o texto do governo assevera que "a proposta prevê que serão obrigatórios os estudos e práticas de filosofia, sociologia, educação física e artes". Assim, fala-se em "estudos e práticas" e não em disciplinas. A diluição de determinadas áreas acaba por revelar, ao avesso, a pergunta tradicionalmente debatida por quem estuda teorias do currículo: qual conhecimento é importante para integrar o currículo? Para além disso, a indagação que professores e alunos devem se fazer é: que indivíduo se deseja formar a partir do currículo proposto pela reforma?
Assim, permeada por lacunas e incertezas e sem definição de uma Base Nacional Comum Curricular – cujas discussões arrastam-se desde 2014 –, as reformas do governo na educação, infelizmente, são mais uma barafunda envolta em disputas políticas de grupos religiosos, em contradições internas e falsos discursos de autonomia que tendem só a piorar o que já está ruim.