Romeu e Julieta é um clássico, mas poderia ter uma versão brasileira atual, em que são filhos de um taxista e de um motorista de uber, que dependem desses trabalhos para sustentar suas famílias. Com todas as polêmicas desse embate, com a carga emocional romanceada, cujas possibilidades extremas vão desde a família passar fome até ser feliz no amor.
Também poderiam ser filhos de um mortadela e um coxinha, um drama social. Ou de torcidas organizadas rivais, o que na realidade brasileira costuma ser mais violento ainda. No extremo da tragédia, pior porque mais realista do que a rixa entre os Montéquios e os Capuletos, seriam de famílias envolvidas com os "Bala" e com os "anti-Bala", respectivamente, na periferia de Porto Alegre – a forma local de terrorismo, de violência sem limites.
Um poder mágico da arte é nos fazer transitar pela alteridade, pelo mundo do "outro"
As grandes audiências da TV brasileira são as novelas e o futebol, ambos movidos a rivalidades. Toda novela tem um "que" shakespeariano, um conflito que é o obstáculo para um grande amor. Também tem um grande vilão, que na versão brasileira teria características de um Temer ou um Gilmar Mendes.
Precisamos da arte para dramatizar nossas emoções, nossos ódios, mas também para nos mostrar o reverso da moeda. Os melhores dramas têm personagens mais complexos, com suas lutas internas entre o bem e o mal. Capazes às vezes de nos surpreender com "viradas" na história entre suas trajetórias para o bem ou para o mal. Os heróis também têm defeitos e contradições morais e os bandidos também têm virtudes – nem que seja amar a mãe.
Um poder mágico da arte é nos fazer transitar pela alteridade, pelo mundo do "outro", de podermos "viver" nos filmes papéis que não teríamos coragem de assumir na vida real, enquanto durar o filme.
O grande dilema do século 21 tem sido a intolerância, como se revivêssemos o tempo das Cruzadas, em que as civilizações antagônicas se digladiavam até o fim. A volta da intolerância e dos fanatismos, da incapacidade de empatia com o "outro lado", requer diariamente muita arte para nos ajudar a conviver com o diferente.