São providenciais para esse momento de indefinição sobre os rumos do país as palavras do filósofo, jornalista e escritor Clóvis de Barros Filho que, em entrevista ao caderno DOC, de Zero Hora, alerta para uma espécie de "erosão moral" em nosso tempo. Quando as relações, a partir de pequenos e grandes gestos do cotidiano, deixam de se pautar pela ética _ definida pelo intelectual como "a vitória da convivência sobre a canalhice" _ passa a imperar o que se constata hoje num cenário dominado por políticos e por gestores públicos de maneira geral. Se, diante desse quadro de degradação, os brasileiros optam por fazer vista grossa, mesmo que sob alegações de desânimo, descrença ou cansaço, os prejuízos ficam ainda mais consideráveis.
O fenômeno ocorre, em grande parte, pelo fato de as condutas de convívio serem cada vez mais garantidas não por critérios fundamentados na liberdade de escolha entre o que é certo e errado, mas pela repressão. A distorção é simbolizada, em nossos dias, pelo constrangimento de uma profusão de câmeras de vídeo, diante das quais as pessoas evitam ultrapassar o sinal vermelho ou o limite de velocidade, furtar ou cometer outros pequenos e grandes ilícitos. A questão é que isso ocorre menos pela preocupação de não ferir códigos mínimos de civilidade e mais por estarem sendo observadas.
A distorção ajuda a explicar o que o entrevistado aponta como um perigoso excesso de desconfiança em relação à capacidade de atitudes individuais contribuírem em favor de mais ética no cotidiano. O pior que pode acontecer, de fato, diante de uma situação que parece se generalizar no país, é a sociedade se mostrar anestesiada, optando por ignorar transgressões de todo tipo. Fingir que não as vê, resignando-se com as provocações de quem fura a fila ou rouba dinheiro público, é contribuir para manter a situação como está, com tendência a piorar mais ainda.
Felizmente, mensagens como as transmitidas pelo filósofo conhecido por simplificar conceitos difíceis vêm encontrando eco também na área de ensino, conquistando professores e alunos. A educação constitui-se em peça-chave de uma inadiável mudança cultural. É pelo discernimento, e não pela imposição, que o país poderá assegurar uma profunda mudança cultural, na qual regras de convivência, incluindo respeito ao próximo e ao que é do próximo, sejam vistas como valores inegociáveis.