* Secretário municipal da Cultura de Porto Alegre
Dias conturbados, mundo em ebulição, confrontos acirrados _ Porto Alegre que o diga. Como um furacão devastador, em nome da moral e dos bons costumes, grupos investem indignação e veemência contra eventos culturais da cidade. Recrudescem discursos que a História já mostrou aonde levam. Queimaram-se livros em praça pública e cercearam a liberdade de pensamento, conforme a ocasião. A verdade, ainda bem, tem no tempo seu mais forte aliado. A perspectiva histórica trata de colocar tudo em seu devido lugar.
Galileu Galilei sucumbiu ante a ameaça de tortura, renegando suas teorias científicas para fugir dos castigos de uma Inquisição apavorante e poderosa. Sócrates, um dos pilares do pensamento ocidental, teve final ainda mais violento, condenado à morte por supostamente corromper a juventude ateniense. O filósofo defendia a busca radical pelo conhecimento, mas desprezava a arrogância da retórica mercantil da época.
Nos dias de hoje, os tribunais de intolerância se transferiram para as redes sociais, onde impressiona a força do ódio e da dissimulação. Qualquer um diz qualquer coisa, independente de sua veracidade. Versões valem mais que os fatos, é o que parece nos ensinar, como regra máxima, esses tempos coléricos. Só que não.
A busca do conhecimento humano sempre afrontou dogmas e conveniências variadas. Como antigos sofistas gregos, muitos hoje usam retórica e barulho espetaculares para propagar suas ideias, não importando nada além delas, muito menos equilíbrio e sensatez. O discurso dialético, parece, é coisa ultrapassada. Diálogo, para alguns, só se for por WhatsApp.
Mais que nunca, precisamos refletir sobre o papel da arte e da cultura em uma sociedade massacrada por ideologias de entorno inconciliável. Estarão acima do Bem e do Mal os produtos e ações culturais? Justamente porque penso que não, precisamos de critérios técnicos e especializados que se sobreponham às arbitrariedades de quem não admite pluralidade e diferença nas avaliações artísticas.
A crítica é parte fundamental do avanço civilizatório. A censura, não.