* Psiquiatra, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do HCPA e da UFRGS
O Brasil é signatário da Década de Ação para o Trânsito Seguro das Nações Unidas, iniciada em 2011, com prazos e metas de redução da mortalidade que não serão alcançados de acordo com os dados que temos. Países desenvolvidos estão avaliando outras substâncias que não o álcool na acidentalidade _ mas aqui ainda estamos discutindo se devemos ou não fornecer provas quando solicitados a soprar um bafômetro em uma blitz, ou se devemos manter um motorista alcoolizado que matou vários na cadeia _ por ele ser réu primário. Já existem chaves com bafômetro e "travas de álcool " (alcoholocks), que ligam o motor se o motorista não tiver bebido. Rodovias europeias multam sozinhas, brilham à noite e conseguem comunicar ao motorista se a pista está molhada. Existem airbags externos para evitar colisões com pedestres. Até poderemos ter estes carros aqui, mas eles irão trafegar em estradas ruins, e serão conduzidos por motoristas que não entendem sua responsabilidade atrás do volante.
Motoristas _ embriagados, drogados ou não _ irão perseguir outros motoristas, brigar, colidir e deixar famílias destroçadas, pois ao invés de concentrar esforços na intensa fiscalização sob formato sistemático, agressivo e ameaçador, ainda temos uma cultura de leniência. O "acidente de trânsito" é uma combinação infeliz de eventos, que alinhados irão produzir um desastre: carros potentes e com sensação de segurança, vias esburacadas e mal sinalizadas, fiscalização deficitária, uso de álcool, treinamento insuficiente de motoristas, e um cheiro de impunidade no ar. Quantos estão realmente preocupados com seus direitos individuais e a invasão de sua privacidade ao se negar ao bafômetro? A habilitação é uma concessão ao motorista _ e pode ser revogada se este não apresentar condições apropriadas. Em um país onde o "jeitinho" é a cultura, a multa é baixa, lenta, e às vezes transformada em cestas básicas.
Países que estão ganhando a guerra no trânsito não têm curvas na lei, cujo braço é pesado e longo _ com indivíduos pagando multas proporcionais à sua renda. Negar-se a produzir provas aumenta violentamente a pena. O motorista agressor é mal visto e socialmente rejeitado. Estamos longe de uma condição similar, pois nossa geração de motoristas foi formada para ser egoísta, negando que trânsito é um fenômeno coletivo, e gerando um profundo e errado senso de que somos prioritários aos outros. Talvez nossos filhos tenham uma chance melhor. Nossa geração já a perdeu.