*Professor titular de Direito Constitucional da UFRGS e da FMP
Vícios Privados, Virtudes Públicas, de 1976, constitui importante obra do cineasta húngaro internacionalmente reconhecido Miklós Jancsó, falecido em 2014, havendo, entre outras coisas, conquistado o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1972 pelo filme Salmo Vermelho. Embora tenha como pano de fundo um episódio histórico, trata-se, tudo indica, de versão fantasiosa da vida na corte do Império Austro-Húngaro na segunda metade do século 19. De qualquer forma, o título do filme pode servir de ponto de partido para uma reflexão sobre a atual vida política no Brasil.
Todos sabemos que a vida política é em grande parte marcada pela hipocrisia. Ninguém melhor do que La Rochefoucauld (1613-1680) para defini-la: "A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude". Assim, misturam-se vícios privados com, muitas vezes aparentes, virtudes públicas. Observando a realidade política nacional seria de se perguntar se a hipocrisia ("afetação duma virtude, dum sentimento louvável que não se tem", "impostura, fingimento, simulação, falsidade", conforme o Aurélio) não teria cedido o passo ao cinismo ("impudência, desvergonha, desfaçatez, descaramento", "atitude ou modo de agir de quem não se incomoda em mentir ou zombar de algo ou de alguém"). Então, ao invés de vícios privados e virtudes públicas, pura e simplesmente vícios privados e igualmente vícios públicos. Virtudes públicas? Raro observar-se.
Ressalte-se, entretanto, que os custos cultural, social, político, econômico, moral (deixemos este por último, embora não se devesse, para que não se diga que se trate de moralismo), entre outros, são significativos para a sociedade e para os cidadãos. Esgarçamento social, polarização e tensionamento políticos, falta de convergências básicas, carência de compromisso republicano, república aqui entendida como espírito que deve alimentar a prática democrática, emergência e até por vezes predomínio da pós-verdade, por exemplo, ajudam a compor o cenário.
Oportunidade, entretanto, de fortalecer-se a democracia, de aprofundar-se o compromisso republicano. E, apesar de tudo, caminhamos firme e seguramente nesse sentido. Os sobressaltos momentâneos, as flutuações passageiras, momentâneos e passageiras numa perspectiva histórica, não podem obscurecer a visão da linha média e ascendente.