Cobrar ou não mensalidade das instituições de ensino público de nível superior? Na seção "Duas Visões", dois profissionais defendem pontos de vista antagônicos sobre a questão. O advogado e professor universitário Thomas Dulac Müller (leia abaixo) aponta um paradoxo para justificar seu ponto de vista e lamenta que os seus defensores da gratuidade busquem argumentos ideológicos para sustentá-la. A professora adjunta da UFRGS Patrícia Souza Marchand acha a alternativa elitizante, com potencial para agravar ainda mais as desigualdades sociais.
Existem determinados temas os quais, quando defendidos em voz alta, impõem ao defensor alguma cautela. A defesa de privatizações; a diminuição do tamanho do Estado; que a CEEE não possui valor econômico algum e deve ser vendida (ou entregue para quem a quiser); que a Petrobras deveria passar para a iniciativa privada; ou que a universidade pública deveria ser paga. Você, certamente, será vítima de tomatadas, agressões verbais, exclusão de grupos de WhatsApp, perda de amigos no facebook… (e, espero, fique somente nisso).
Pois é, eu defendo tudo isso. Felizmente, não estou sozinho e, cada vez mais, melhor acompanhado. E o principal argumento não está somente no fato que a obesidade do Estado seja, lastimavelmente, um ambiente fértil para que espertinhos se locupletem ilicitamente. Isto é uma infeliz obviedade sobre a qual somos todos os dias lembrados quando assistimos ao Jornal Nacional. Mas o discurso da presença estatal não é bradado somente por estes que se beneficiam ilicitamente da incompetência típica do Estado. Existem aqueles que, ideologicamente, defendem a interferência estatal na economia (normalmente, estão geograficamente localizados no espectro político mais à esquerda – por que será?). Além de não entenderem nada de economia, acreditam que o almoço é grátis e sofrem de Síndrome de Poliana. Por fim, existem ainda aqueles que se beneficiam (ainda que licitamente) desta situação, e que repetem, roboticamente, bordões como: "O petróleo é nosso"; "O Correio é a instituição mais respeitada deste país"; "Ah, que saudades da CRT"; "Queremos menos bancos e mais Estado".
Nesta gritaria esquizofrênica esquecem que nada disso é função do Estado, e que segurança, saúde e ensino básico, sim, dependem de um Estado forte. Peraí: ensino básico? Sim. E as universidades públicas? A bem da verdade, o ensino superior também não deveria ser considerada função precipuamente estatal. Muito menos, a sua gratuidade. Aí está o "X" da questão. Observem: a massa carente estuda em escolas primárias e secundárias de baixíssima qualidade; famílias com melhores condições colocam os seus filhos em escolas privadas; os egressos das escolas públicas são despejados em universidades privadas e pagam por seus estudos, muitas as vezes com baixa qualidade; aqueles que estudaram nas melhores escolas prestam vestibular para as universidades públicas e gratuitas, e não pagam por seus estudos. É este o paradoxo do ensino brasileiro. E mais. A grande verdade é que os cursos de Medicina, Direito e Engenharia são habitados essencialmente por alunos que tiveram os melhores canais de ensino primário e secundário. Aqueles que pegaram ônibus, não tinham professores, enfrentaram greves, nunca viram um laboratório de física ou química, quando prestam vestibulares para universidades públicas, passam longe dos pontos de corte para ingresso nestes cursos.
É verdade, existem honrosas exceções. Mas estas exceções não devem ser alçadas à condição de denominador comum; são exceções. O que é lastimável. Mas, é mais lastimável que existam pessoas que defendam este paradoxo e busquem argumentos ideológicos para sustentá-lo. Convido a estes para que visitemos o estacionamento das principais escolas de Medicina, Direito e Engenharia das universidades públicas. Vamos levar guarda-chuvas, pois os tomates serão lançados.