* Psicanalista e escritor
Tem uma novidade nas noites da gurizada de 14, 15 anos. Antes de entrar, a turma recebe uma etiqueta que pode ser uma figura ou duas palavras. Devidamente coladas em sua roupa, anunciam se o conviva está disponível para beijar ou já está comprometido. Alega-se que facilita a empreitada e, sobretudo, evita que alguém chegue em alguém não chegável e dê briga.
Não aprovo. Acho que o mundo anda deveras etiquetado. Protocolar numa espécie de novo Iluminismo que anda negando as nossas trevas inevitáveis. Classifica-se demais. Diagnostica-se demais. Medica-se demais como se pudéssemos deter todas as angústias, aplacar todas as dores, banir as tristezas como se tristeza, dor e angústia, em quantidades aceitáveis, não fizessem bem.
Mas fazem. Ninguém cria fora de um aperto, ninguém ama longe de uma angústia, ninguém vive sem alguma dor. E, sobretudo, sem mistério. Há mais de cem anos, o escritor Guy de Maupassant brincou com essa pretensão humana: "Adeus, mistérios, velhos mistérios de velhos tempos, velhas crenças de nossos pais, velhas lendas infantis, velho cenário do velho mundo!"
E assim por diante nesse ledo engano. Como se estivesse pelada a coruja, conforme dizemos por aqui, ou cozida a cenoura como dizem por lá.
Acontece que sempre haverá pelos na coruja e crueza na cenoura. Fomos, somos e seremos doídos, angustiados, tristes e misteriosos a bem de uma noite incerta. Melhor assim. É o que nos move para tentar chegar mais perto de si e dos outros e conviver com a dúvida de se gostaremos ou não, se poderemos ou não, se encontraremos finalmente ou teremos de suportar mais um tempo o desencontro.
Outro escritor, mais próximo de nós, também desabafou com propriedade: Carlos, sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será.
No entanto, nós, adultos, seguimos na ânsia de classificar como se tudo pudesse achar o seu compartimento. E de diagnosticar como se tudo já tivesse encontrado o seu nome. E de medicar como se tudo pudesse aplacar-se. Pretensiosamente, vendemos ao jovem uma ilusão de certezas como se a vida não fosse algo necessariamente imprevisto.
Felizmente, as desilusões comparecem pontualmente. E uma dor e uma angústia e uma tristeza recolocam todos a postos para viver.