* Presidiu a Falconi Consultores, de 2011 a 2017, ex-presidente do Banrisul e ex-secretário de Planejamento e Gestão do RS
Alguns momentos da História são tão marcantes, que a gente sabe quando algo excepcional está acontecendo. Diante de tantos e tão inusitados eventos dos últimos três anos e meio, é inegável que vivenciamos tempos extravagantes em nossa história – certamente, uma das mais graves crises políticas e morais.
Apesar disso, o governo de Temer vinha conseguindo impor uma corajosa agenda reformista no Congresso, como a emenda que inseriu na Constituição um teto para o crescimento dos gastos públicos, a atualização da legislação do trabalho aprovada na Câmara e avançava com a proposta de modernizar a Previdência – sem a qual a volta do desenvolvimento será uma quimera.
Quando parecia despontar a luz, vieram as denúncias dos açougueiros da JBS, arrastando o governo ao centro desse interminável enredo de corrupção, com os resultados à vista: abalou sua frágil base política, interrompeu reformas, pôs a saída da recessão em modo de espera e devolveu o país à incerteza.
Esta instabilidade permanente desde o impeachment de Dilma, conjugada com a persistente crise fiscal do Estado brasileiro, contamina e desorganiza toda a economia e compromete o futuro do país. Não por menos, tivemos entre 2014 e 2016 a maior e mais longeva recessão econômica da história do Brasil. Agora, caminhamos numa linha tênue que divide crise fiscal e colapso do Estado.
A Lava-Jato estabeleceu um marco ao revelar a podridão do sistema político. Vem lavando nossa alma, ao condenar e prender poderosos até então tidos como à margem da lei. Mas não podemos esperar que ela seja o fim de todos os males, pois a corrupção sistêmica e endêmica é apenas um deles.
A corrupção não explica a inépcia do Estado, a burocracia enlouquecedora, a alta carga tributária que nos custa cinco meses de trabalho por ano, a violência generalizada, a péssima qualidade dos serviços públicos. Ela é só um sintoma.
O combate à corrupção não muda o fato de que somos uma sociedade jovem, mas que gasta 12% do PIB como se já fossemos uma nação de idosos, o que se explica pelas regras generosas de previdência, permitindo aposentadorias precoces e, no caso dos servidores públicos, com valores ultragenerosos.
A maior parte dos brasileiros já não tolera mais a corrupção, acabar com ela é um clamor geral, vindo daí o elevado apoio popular à Operação Lava-Jato. Mas essa cruzada não vai acabar com os escandalosos privilégios de minorias – em especial, as corporações de servidores e lobbies variados que capturaram o Brasil e os orçamentos públicos em favor de seus interesses particulares.
Temos de desatar todos esses nós para trazer o Brasil de volta à normalidade e criar condições para reaver o desenvolvimento e a esperança. Sim: não à corrupção! Mas também não à má gestão, aos privilégios, aos desequilíbrios fiscais, aos déficits, que significam sempre mais impostos e piores serviços.
É preciso dizer não ao déficit da Previdência, causa-raiz da degeneração fiscal em fase terminal e da falência pública. É uma questão aritmética. Só com sua readequação poderemos restaurar a confiança e atrair investimentos – o motor do crescimento e da geração de emprego e renda para os brasileiros.
Não seremos um país desenvolvido e justo, sobretudo, sem um ordenamento político que represente plenamente a sociedade. A solução, necessariamente, envolve a política. O desafio é trazer gente nova e boa para ela, pessoas que defendam os valores da eficiência e da boa gestão, da livre-iniciativa e da competição, dos orçamentos equilibrados, da regulação honesta e competente.
Podemos aproveitar a crise como uma chance para nos entusiasmar a sair da pasmaceira e levantar a bandeira da renovação que se faz necessária. A boa notícia é que essa escolha é nossa, os brasileiros de bem.