* Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos
Vivem-se dias estranhos, em que lembrar questões essenciais torna-se uma tarefa pouco palatável. Como é possível que, depois de quase 30 anos, a Constituição brasileira continue sendo, para a maioria, uma ilustre desconhecida e permaneça na mera condição de "carta de boas intenções"?
Entre as normas constitucionais de maior relevância, encontram-se os direitos fundamentais, que protegem o cidadão do poder estatal, o qual haverá de ser exercido nos estritos limites determinados pela Magna Carta. No campo penal e tributário, essas normas têm especial importância, pois impedem que o arbítrio seja o modo de agir dos governantes.
Para se exigir um tributo, é necessário que haja uma lei aprovada pelo parlamento, que esta lei não seja retroativa, que transcorra um espaço mínimo de tempo entre a publicação e sua cobrança, que não seja confiscatória, entre outras (art. 150). Eventuais exceções devem estar previstas no texto maior.
Relativamente às contribuições sociais (PIS/Cofins), está posto que, qualquer majoração de alíquotas há de ser feita mediante lei e que esta lei somente poderá produzir efeitos 90 dias após sua publicação (art. 195 § 6º).
Diante disso, como admitir que o presidente da República tenha editado um decreto que entrou em vigor na data de sua publicação, resultando uma expressiva e imediata majoração dos preços dos combustíveis? Não se ignora o fato de que a inviabilidade da utilização do decreto ainda não foi definitivamente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, quanto à necessidade de observar o transcurso do prazo de 90 dias, não há qualquer discussão possível. Simplesmente, foi desrespeitado o disposto no § 6º do artigo 195 da Constituição.
Nem se discutem aqui outras reprováveis consequências da majoração das alíquotas em questão, tais como: a regressividade; a elevação abrupta dos custos; provável redução do consumo (que poderá resultar, inclusive, em frustração dos planos arrecadatórios), bem como os efeitos inflacionários em tempos recessivos. Nesse ponto, que política econômica é essa, em que o governo utiliza-se da tributação para elevar a inflação?
Enfim, dias estranhos esses, nos quais se faz de conta que Constituição não existe e, a pretexto de corrigir um déficit causado pelos próprios governantes de plantão, manda-se a conta para aqueles que estão asfixiados pela já insuportável carga fiscal.