* Professor do curso de Jornalismo da UFRGS
Nem totalmente jornalista, nem totalmente escritor. Entre a capacidade de tocar o real e a de criar pequenos contos do cotidiano, o cronista é sempre uma função complicadíssima de definir. Por esse motivo, o termo cai como uma luva em Paulo Sant'Ana, alguém também impossível de ser descrito. No Rio Grande do Sul, quando a crônica pendeu para a literatura, viu em Luis Fernando Verissimo a sua expressão. Quando escolheu o caminho do jornalismo, encontrou em Sant'Ana o seu símbolo. Ele estava parado ali no grupinho dos torcedores, no carteado dos esperançosos, no boteco dos sem horizonte, na roda de conversa regada a scotch... Sempre com um cigarro entre os dedos, fumaça subindo em volutas como companheira de reflexões. Daí a sua impressionante popularidade.
O mais curioso é que a normalidade do cotidiano nem sempre gera a notícia, relato, na prática, de um fato a fugir do esperado. A crônica, no entanto, adentra até mesmo o terreno da sem importância. Sabedor de tais detalhes, Sant'Ana buscava gerar, até em seus atos, o inesperado. Não apenas o olhar do cronista condicionava a visão sobre os fatos ou opiniões, os juízos a respeito dos protagonistas do que ia virando notícia. Parte dessa acabava sendo o próprio cronista. Inspirado ou nem tanto. Divertido ou irritante. Malicioso ou quase ingênuo. Sensível ou grosseiro.
Era alguém que precisava ser notado e que, para tanto, foi capaz de reinvenções contínuas. Apareceu como torcedor do Grêmio na redação de Zero Hora. Transformou-se em jornalista e radialista, transitando pela informação, interpretação e opinião. Nessa última, veio do futebol, chegando a todos os assuntos possíveis e imagináveis. Transformou a penúltima página do jornal na, não raro, mais lida.
Foi herdeiro de uma longa estirpe de jornalistas-cronistas. E, coincidência das coincidências, pode-se até identificar certa linha genealógica. No início dos anos 1940, Jotabê, o Sant'Ana de então, levou o jovem Cândido Norberto para o rádio. Três décadas depois, o próprio Cândido apostava no gremista Sant'Ana, abrindo-lhe as portas do Sala de Redação. São os ciclos da vida, base do trabalho dos bons cronistas, em especial dos apaixonados pelo cotidiano.