* Subprocurador-geral da República aposentado
Todas as nações que, pela consciência cívica e consequente amadurecimento político se alçaram ao patamar de democracias estáveis, só o conseguiram quando seus representantes nas instituições de estado, conquistaram a confiança de seus representados. Essa sintonia está na base da democracia política e representativa, como pretende ser a nossa, e compreende o controle popular de todos os poderes delegados aos seus representantes – parágrafo único do art. 1º. Da Constituição Federal –. E o mais grave dos males que pode acometê-la é o rompimento desse pacto de conexão. Pois tal é o nosso quadro: tudo se perdeu na oligarquização perniciosa das direções partidárias, e a confiança mútua foi traída quando as siglas passaram a servir não aos anseios dos votantes, mas à mercancia descarada dos cargos e das alianças. Daí, na abordagem do tema da representação política em nosso país de sempre, a pertinência do instigante título da excelente obra de Jairo Nicolau: Representantes de quem?. Essa pergunta na verdade é uma afirmação irônica de que – há que lamentar – somos órfãos de representação.
Pois eis que o ministro Gilmar Mendes, ao assacar contra o sistema de persecução criminal brasileiro em votação no STF, nos fornece uma pista das raízes dessa orfandade, ao denunciar que, acima de tudo e de todos, trava-se, à sombra dos privilégios estatais, uma feroz disputa de poder entre instituições de Estado brasileiras. E colocou no centro do furacão persecutório, segundo ele difusor de todas as ilegalidades, um certo "direito penal de Curitiba". Pois, juristas ou não, garantistas ou não, situacionistas ou oposicionistas, lastimamos, pelo país e pelo seu povo, que organismos vocacionados para o interesse público se digladiem por poder. Mas havemos todos os de boa fé, de reconhecer que, mesmo aos trancos e solavancos, pela primeira vez na história deste país, mediante o que o "ministro supremo" qualifica como "estranho direito", conseguiu-se mexer com os aguapés do pântano de corrupção que encobre o ambiente sombrio de captura patrimonialista das instituições de Estado, dominadas historicamente pelas oligarquias político-jurídico-administrativas que lutam por poder de costas para os que os elegeram. Por isso, à pergunta título, "Representantes de quem"?, enquanto não enxergamos o horizonte da renovação só cabe uma resposta: não passam de representantes deles mesmos. E se alguém quiser encontrar algo que aos olhos da população parece representar-lhe, só resta mesmo o estranho "direito penal de Curitiba"...