* Antropólogo, membro da Academia Brasileira de Ciências
Passei um ano nos Estados Unidos como professor visitante na Universidade de Illinois, ao sul de Chicago. Quando saí do Brasil, o impeachment tinha acabado de acontecer. O novo governo estava começando, em meio a uma crise que desgastava a nação. As promessas eram muitas, mas já se podia imaginar o que estava prestes a acontecer. Quando retornei, no início deste mês, encontrei o país em um clima de perplexidade e indignação. Boa parte da população não enxerga saídas. A pergunta que mais ouço é "Por que você voltou?"
Observei as eleições presidenciais de 2016 e os primeiros meses do novo governo americano. A oposição e os eleitores acompanham atentamente tudo o que acontece e acionam as instituições responsáveis por fiscalizar o poder. Essas instituições não são perfeitas, mas há uma forte crença de que funcionam. Os canais de manifestação parecem mais eficazes para dar seguimento às demandas. Em caso de promessas não cumpridas, eleitores e opositores frustrados têm respostas mais ágeis e contundentes.
Já no Brasil, há uma descrença geral em relação à maior parte das instituições. O povo foi às ruas nos protestos de 2013 e nas manifestações a favor e contra o impeachment em 2016. Mas passado o calor da hora, muitos voltam para casa e a mobilização arrefece. Infelizmente, a sociedade civil no Brasil ainda é pouco organizada, o que faz com que os donos do poder se sintam à vontade para saquear os cofres públicos. A população está cansada da classe política - e também dos empresários que conluiem com ela. Há um clamor que tem dificuldade de se canalizar de forma eficaz.
A descrença na elite dirigente brasileira envolve o risco do surgimento de um novo salvador da pátria. Mas é preciso confiar que, com o aprofundamento da crise, o clamor da população aumentará, traduzindo-se em soluções positivas e mais duradoras. Há boas razões para estarmos desanimados e perplexos. Mas também há boas razões para voltar ao Brasil. Além do calor humano, o país continua tendo um enorme potencial: seu povo, as riquezas que ele produz, uma economia que é a das maiores do mundo e os desafios que temos que enfrentar no século 21.