Uma mulher venceu um processo judicial. Ela reivindicava uma indenização por ter sido insultada em um perfil de Instagram. Entre outras coisas, foi chamada de vadia. O juiz concordou que a intenção do réu era a de insultá-la, mas determinou uma baixa indenização porque ela, afinal, tinha uma "reputação elástica", já que posara nua e até aparecera em fotos fazendo gestos obscenos. Se ela quisesse evitar ofensas, deveria mostrar um "pouco mais de respeito", diz a decisão judicial. O caso aconteceu há uma semana, e a mulher era Fernanda Young.
Quem dera fosse uma exceção. Quem dera não fosse cotidiana a violação de direitos das mulheres sob a justificativa de que elas "não se dão o respeito". A ideia de que a mulher precisa se submeter a um certo (e muito restrito) padrão moral para merecer respeito é o que leva aos discursos de que se uma mulher foi abusada, ela devia estar pedindo; se apanhou, deve ter aprontado; se foi insultada, devia ter medido melhor as suas atitudes. Faltarão caracteres para enumerar aqui casos e estatísticas, mas uma busca por "justiça e machismo" no Google é o suficiente para se obter um retrato devastador das nossas instituições.
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A situação faz lembrar as fotos de mulheres que, em protestos nas ruas, seguram cartazes com os dizeres "não acredito que ainda preciso protestar por essa merda", e mesmo agora, mesmo entre aspas, eu me pergunto se algum dia um juiz vai decidir que eu mereço menos respeito por ter escrito uma palavra de baixo calão nas páginas de um grande jornal. Talvez eu devesse aqui ser mais elegante, recorrer a um eufemismo, mostrar mais recato. Alguém pode pensar que minha reputação é elástica, afinal. O tempo dirá. Mas o ponto é que estamos em 2017, e as mulheres ainda têm menos respeito se falam palavrão, se bebem, se levantam o dedo do meio, se falam alto, se vão para cama com gente demais, ou rápido demais, ou se gostam demais.
Estamos em 2017, e a gente ainda vale menos conforme a roupa que veste ou deixa de vestir. Estamos em 2017, e uma imensa parcela dos homens ainda acha que as mulheres não são inerentemente respeitáveis: elas devem moldar seus modos, corpos e palavras para que os homens concedam-lhes respeito. Não lhes ocorre que respeito a gente deve para todo mundo, até para as pessoas de quem não gostamos. Não percebem que vivem em um país onde – felizmente – a gente é obrigado a dar respeito inclusive às plantas nativas e aos animais silvestres (sendo que árvores e cachorros, para recebê-lo, precisam fazer menos esforço que as mulheres). Estamos em 2017, e a onda conservadora que varre o mundo talvez torne tudo pior em 2018. Também isso o tempo dirá.
Por ora, nos resta fincar o pé e resistir. Resistir mesmo quando as injustiças nos derrubarem, porque se as mulheres fossem abrir um processo contra cada insulto na rua, para cada real pago a menos no trabalho, para cada pensão não recebida ou para cada propaganda misógina, paralisaríamos os tribunais porque faltariam juízes. Se fôssemos revidar cada ato de desrespeito sofrido rotineiramente, precisaríamos inventar novos gestos obscenos porque faltariam dedos do meio. Ainda vamos perder muito ou, como Fernanda Young, ganhar pela metade. Última dúvida que o tempo responderá é até quando vamos precisar ir às ruas segurando a mesma merda de cartaz.