É quase certo que, mesmo feita de dia, a retirada das famílias da "Ocupação Lanceiros Negros" enfrentaria resistência por parte dos que ali decidiram morar. Se não física, pelo menos verbal. Desocupar uma fazenda, prédio ou terreno invadido é sempre tarefa delicada. Dito isso, é preciso questionar: por que escolheram uma noite, fria, para remover os ocupantes do prédio? Ainda mais com crianças residindo ali?
Explicações já foram dadas, mas convencem pouco. É verdade que o novo Código Civil permite reintegrações de posse até 19h (noite escura, no inverno). Soa absurdo, mas permite. É também verdade que a juíza da 7ª Vara da Fazenda Pública autorizou o cumprimento da ordem em feriado ou fim de semana, e fora do horário de expediente, "pelo imóvel se situar em local de muito movimento".
Mas a magistrada ressalvou: "se necessário". Era necessário? Ou poderia ter sido feito no feriado de Corpus Christi ou no fim de semana, de dia, como a própria juíza sugeriu?
Por que à noite e sob frio, quando tudo fica mais difícil? A dedução lógica é que a intenção era pegar de surpresa os ocupantes. Pode ter facilitado o trabalho da Brigada Militar, mas tornou a desocupação um drama. A mesma lei que permite retirada de pessoas à noite de um prédio público (continuo a achar isso temerário) considera que o lar é domicílio inviolável, à noite. E aquelas pessoas que foram retiradas consideravam aquele o seu lar. Se o prédio estava vazio há mais de década, não custava ver um projeto de possível aproveitamento dele como moradia.
Existe ainda a questão da prisão do deputado. Parlamentares podem ser presos em flagrante, mas é de bom tom que isso ocorra? Anos atrás o deputado Dionilso Marcon (PT) foi conduzido a uma delegacia após invasão de uma indústria de alimentos em Esteio. São casos raros e o usual é que um poder não execute a prisão do outro, menos ainda por motivos banais. E soam banais as razões para a prisão, tanto que o deputado já foi solto. Tudo indica que faltou bom senso, na desocupação e na detenção do parlamentar.
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