Era julho do confuso ano de 2016, quando o jornal Folha de S.Paulo publicou uma entrevista com o então senhor presidente interino da República, Michel Temer. Na conversa, ele anunciava concessões de aeroportos como mais uma eficiente medida para a retomada do crescimento da economia. Três terminais depois, o presidente foi provocado a responder sobre a Operação Lava-Jato.
Os jornalistas queriam saber se ele temia ser surpreendido com a citação de seu nome por algum delator do esquema de corrupção na Petrobras.
Temer não titubeou:
– Zero de chance.
E provocou:
– Pode botar em letras garrafais.
Meses se passaram e o interino se tornou presidente do Brasil. E decidiu não colocar um zero apenas. Colocou cinco. E um cinco à frente desses zeros. Meio milhão de reais. Chegamos ao histórico dia 17 de maio de 2017. No início da noite daquela quarta-feira o país saberia, pelo jornalista Lauro Jardim, que o senhor presidente da República ouviu, em conversa gravada por um dos proprietários do frigorífico JBS, sobre o pagamento de valores para comprar o silêncio de um ex-parlamentar, o presidente cassado da Câmara Eduardo Cunha.
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Em que pesem os zeros, Temer veio a público nesta quinta-feira para dizer que não avançará um milímetro para fora de sua cadeira presidencial.
– Sei o que fiz – disse.
É preciso voltar um pouco mais no tempo para compreender o que está por trás da decisão de Temer de não renunciar. Contam aqui por Brasília que aliados alertaram o senhor presidente, na hipótese de não renúncia, sobre um cenário obscuro nos próximos dias, distante do sonho peemedebista de estancar a sangria da Operação Lava-Jato. Permanecendo no cargo, disseram, Temer ficaria ainda mais exposto, sangrando com a divulgação de áudios e fatos comprometedores sobre seu governo.
O presidente ouviu atentamente. Os boatos se espalharam com alguma força.
Temer optou por considerar a opinião de quem pensava na direção contrária. Pesaram, contam também por aqui, a avaliação de dois dos principais conselheiros do presidente: Wellington Moreira Franco e Eliseu Padilha, os chefes da Secretaria-Geral de Governo e da Casa Civil. Não por acaso, nomes também implicados em denúncias relacionadas à Lava-Jato. (Sobra alguém?) É aqui que voltamos algumas casas no tempo.
Em fevereiro deste ano, um documento subscrito pelo senhor presidente Michel Temer foi entregue ao Supremo Tribunal Federal para justificar a escolha por Moreira Franco para ocupar um gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto. À época, partidos alertaram para a manobra por esconder, sob a prerrogativa de foro, um nome reincidente em histórias de delatores. Foram necessárias 50 páginas para dizer que, na verdade, não era exatamente o que eles estavam pensando. De maneira alguma o governo pretendia obstruir as investigações.
Agora, imagine esse mesmo presidente, que nomeou um aliado para dar-lhe o foro. Imagine um cenário em que ele renuncia à Presidência da República. E, por consequência, abre mão da prerrogativa de foro. Não só a dele, diga-se de passagem. Mas de uma equipe de ministros, que ficará nas mãos de Curitiba. Parece factível?
Não. Temer não quer obstruir a Lava-Jato. Moreira não foi nomeado por conta do foro privilegiado. Ninguém tentou comprar o silêncio de Eduardo Cunha.
Zero chance. Pode botar em letras garrafais.