* Advogado trabalhista
Vivemos tempos sombrios. Cinzentos eu diria. Tempos com cores dos comedores de batatas de Van Gogh. A Reforma Trabalhista orquestrada pelo governo Michel Temer, recentemente chancelada por uma Câmara Federal, cuja legitimidade está visivelmente abalada pelo simples fato de que grande parte de seus integrantes afundam nas areias movediças da Lava- jato, tem a face do escárnio. Debocha, sapateia sobre o preâmbulo da Constituição de 1988, no qual a nação brasileira tomou para si, como projeto, a construção de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, com fundamento nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. O Direito do Trabalho é um dos instrumentos de viabilização desse projeto, que é antes de tudo um projeto de pacificação social.
Ora, é evidente que todo ramo do Direito tem um princípio fundante, e é justamente isso que justifica a divisão da árvore do Direito em seus diversos galhos. Assim, se o Direito Civil se funda na autonomia da vontade, ao passo que o Direito Público se funda no interesse público e na legalidade estrita, não há como se negar que o Direito do Trabalho se alicerça no princípio da proteção ao trabalhador. Esse princípio fundante não surgiu do nada, não é uma construção meramente teórica, fruto das academias, mas é, antes, o resultado do processo histórico que demonstrou, à saciedade, que o capital tem vontade própria, tem sua "voracidade" pelo lucro que precisa ser minimamente balizada, sob pena de retrocedermos às condições primevas das jornadas de trabalho sem controle, do trabalho infantil, penoso e insalubre magistralmente retratados por Émile Zola em sua obra o Germinal.
Não se quer com isso afirmar que o mundo não tenha evoluído, que as tecnologias não tenham progredido e novas relações de trabalho não tenham vindo à tona necessitando, sim, de regulamentação. Mas pensar um novo Direito do Trabalho não pode significar a desconstrução completa dos seus princípios. Reformar a legislação trabalhista requer, portanto, diálogo franco das forças que se contrapõe no tabuleiro.
É preciso ler o Germinal. Não será tão amargo. Amargas serão as consequências dessa reforma imposta na calada na noite e gosto de fel terá seu efeito bumerangue.