O tema da 30ª edição do Fórum da Liberdade (dias 10 e 11 de abril de 2017) é o Futuro da Democracia. O assunto é tão espinhoso quanto encantador. Com origem histórica no século VI a.C., em Atenas, na Grécia, a democracia, desde lá, tem sido um sistema no qual a tomada de decisões se dá dentro de instituições e organizações formadas no seio da sociedade, nas quais todos os membros têm igual poder de decisão. Suas raízes remotas contribuíram para que, atualmente, nas democracias representativas, esse poder se traduza pelo direito de voto do cidadão.
Ao se examinarem os principais acontecimentos históricos a partir do término da 2ª Guerra Mundial, é perceptível o crescimento do número de Estados democráticos e a redução do número de ditaduras. Vivemos nos últimos 70 anos o que se convencionou chamar de a "Era da Democracia", na qual o regime democrático se converteu "no denominador comum de todos as questões politicamente relevantes, teóricas e práticas". Ocorre que a democracia ideal contrasta com a democracia real ("a contaminação da teoria quando forçada a submeter-se às exigências da prática" – (Bobbio, 2015, p. 16); de um lado, a consolidação do regime não arrefeceu a constante busca pelo poder que acompanha o ser humano desde suas origens mais remotas (e tem sido a tônica na sociedade contemporânea), de outro, a grande maioria das suas promessas não foi cumprida.
Mesmo recheado de imperfeições, o regime democrático é considerado a melhor fórmula de organizar o processo político de decisões coletivas. No entanto, a crescente desconfiança da população com relação aos reais benefícios dos modelos contemporâneos tem posto em xeque essa afirmação. Essa conclusão carrega consigo pelo menos quatro causas principais que merecem destaque: (i) os desincentivos para controlar os gastos públicos e a propensão dos governantes de elevar os tributos; (ii) a dificuldade de superar a visão de que o Estado não gera custos e que representa o guardião sagrado e imaculado do interesse público (e de que seus agentes não buscam benefícios pessoais no exercício de funções públicas); (iii) os governos democraticamente eleitos devem ser constantemente vigiados por instituições fortes sob pena de violarem liberdades individuais; (iv) a solução para a democracia não é, definitivamente, mais democracia – leia-se a transferência de mais poder decisório do indivíduo para uma alcateia de políticos.
Esses fatores nos levam a uma constatação relevante: a democracia não é um fim em si, nem outorga aos líderes popularmente eleitos poderes ilimitados. A falácia do poder ilimitado precisa ser combatida. Nesse contexto, um dos maiores riscos do processo democrático é a formação de uma relação promíscua entre poder político e poder empresarial (econômico), cujo objetivo maior é a perpetuação no comando das massas, e não a promoção do crescimento e do desenvolvimento da sociedade a partir da liberdade e do livre mercado.
Não existe, portanto, o deus da democracia; o regime democrático é ambivalente, humano, frágil, vulnerável, corruptível (e corrupto), crescentemente regulador e limitador das liberdades individuais. Se, de um lado, o exercício do poder depende da legitimidade outorgada pelos seus governados por meio do voto popular, de outro esse mesmo poder não está legitimado a adentrar em esferas essencialmente particulares, cápsulas individuais impenetráveis relacionadas, direta ou indiretamente, ao direito à vida, à liberdade, à propriedade privada e à busca da felicidade.
Ainda que qualitativamente graves, essas imperfeições (e suas contradições) não devem desencorajar as tentativas de aperfeiçoá-la. Entendo que o sucesso da democracia moderna depende da existência de um sólido aparato institucional capaz de garantir o respeito à lei e sua aplicação indistinta a todos os cidadãos, do seguimento de boas regras de governança no gerenciamento de uma máquina pública severamente reduzida e da prática de uma cartilha de valores e princípios eticamente corretos.
Se um dos grandes paradoxos da democracia moderna é a tendência de reclamar do governo ao mesmo tempo em que delega aos políticos mais responsabilidade e poder de decisão, a única forma de vencer essa espécie rara e coletiva da "Síndrome de Estocolmo" é ocupar espaços qualificados na política, construir soluções inovadoras que reduzam o tamanho do Estado e estimulem a participação da iniciativa privada em regime de mercado, descentralizem o poder estatal e empoderem o cidadão. Embora a descrição do processo remeta a uma complexa obra de engenharia, a técnica de construção é de conhecimento público: menos coletivismo e mais individualismo. Menos poder estatal e mais liberdade ao cidadão.
Conhecemos o caminho. Resta saber se o timoneiro e a tripulação optarão por seguir nessa direção, outorgando ao livre mercado (e não ao Estado) o papel de protagonista na construção de soluções para nossos problemas. Os resultados eleitorais brasileiros da última eleição municipal (2016) nos permitem nutrir alguma esperança.