Os brasileiros assistem, desconcertados, a um embate explícito entre altas autoridades da República. De um lado, estão magistrados, integrantes do Ministério Público e policiais. De outro, estão deputados, senadores e políticos em geral. No centro da discussão, está o projeto da lei de abuso de autoridade, em tramitação no Senado Federal. A matéria já foi apresentada à Comissão de Constituição e Justiça pelo relator Roberto Requião (PMDB-PR), que desconsiderou totalmente um anteprojeto levado às presidências da Câmara e do Senado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sugerindo que agentes públicos não sejam punidos por eventuais excessos cometidos em atos processuais. Requião defende o oposto: que juízes e promotores sejam responsabilizados até mesmo quando seus julgados forem reformados em instância superior.
Em síntese: o parlamentar e muitos de seus pares querem criminalizar (e amedrontar) investigadores e julgadores, enquanto os promotores querem salvo-conduto até mesmo para cometer eventuais excessos. Todos colocam o corporativismo acima dos interesses nacionais.
Ninguém pode ignorar que a maior parcela da população brasileira apoia magistrados e integrantes do MP nessa disputa, especialmente pelo crédito conquistado pela Operação Lava-Jato e pelo atual descrédito da classe política nacional. Ainda assim, é importante lembrar que ninguém pode se colocar acima da lei – nem os legisladores que as elaboram, nem as autoridades constituídas para aplicá-la.
Feito esse registro, cabe evidenciar que abuso de autoridade tem que ser tipificado como crime, sim, mas não para proteger apenas as próprias autoridades. Juízes devem ter proteção para julgar, promotores devem ter proteção para investigar e parlamentares devem ter proteção para legislar. Mas essa proteção tem que ser estendida a todos os cidadãos, até mesmo porque, muito mais do que eventuais excessos cometidos por investigadores e julgadores, que sempre podem ser corrigidos em instâncias superiores, abuso criminoso e imperdoável é trair o povo, usar mandatos e cargos públicos em benefício próprio, apropriar-se do Estado e colocar interesses pessoais ou corporativos acima dos interesses maiores da nação.