Era um adolescente normal, de uma inteligência acima da média. Eu trabalhava na triagem do serviço de atendimento psicológico da UFRGS e iria encaminhá-lo para um colega tomar conta do caso. Por ter algumas inquietações sobre seu futuro, ele queria ajuda para pensar. A questão é que seu visual não combinava com o discurso.
Como ortodoxia nunca foi meu forte, mesmo sabendo que iria levar uma bronca da supervisão, fiz o que não se deve: perguntar sobre a aparência. O correto é esperar o paciente abordar o assunto. Mas esse jovem bem falante, bem educado, gentil, estava vestido como um punk.
Atenção, isso era começo da década de 1980, punks eu só tinha visto em São Paulo. Timidamente começavam a chegar a Porto Alegre. Naquela época, não eram de butique e a crítica radical ao sistema, a rebeldia e a agressividade lhes eram epidérmicas. Não que ser punk fosse um problema, eu entendo a razão de seus espinhos. Mas como seu jeito não combinava com o visual, eu arrisquei perguntar sobre o estilo da roupa e do cabelo. A resposta foi simples e direta.
– Se tu pegasses o ônibus em que volto para casa à noite e descesses onde eu desço, estarias vestido assim também.
Usava uma pragmática fantasia de guerra que passava uma mensagem: eu sou mau, te mete comigo para ver. Decididamente ele não era mau, mas como não queria encrenca, respondeu com a resposta clássica: si vis pacem, para bellum (se desejas a paz, te prepara para a guerra). Insisto no latim para demonstrar que a estratégia não é de hoje.
A resposta me abriu os olhos para as mensagens que passamos com as roupas e o corpo quando queremos nos defender da violência. Observe como muitas vezes adolescentes, a maioria uma garotada da paz, adotam um visual de quem parece que saiu da cadeia ontem, para dizer o mesmo: eu sou da pesada, nem vem. Como se embaralham mimeticamente com os verdadeiros delinquentes, tentam convencer a si e aos outros de que são durões e podem ser perigosos.
Mas só as roupas já não bastam, recentemente o corpo passou a ser esculpido para mostrar músculos. Há um lado de boa saúde, de charme, mas junto da vaidade há uma vertente que lembra que se é forte e está preparado para brigar. Assim como a paisagem urbana mudou, ganhando mais guaritas, muros e cercas elétricas, os corpos seguem o padrão de mostrar os dentes. A estética que responde ao medo galgou degraus.
A questão não é criticar esses disfarces, é importante inventar meios de estarmos menos vulneráveis. O drama é quando acreditamos na fantasia. Fazemos isso por medo e o medo é um péssimo conselheiro. O risco é irmos embrutecendo sem perceber e começarmos a rosnar além da conta. Assim, deixamos a grossura e a paranoia virarem moeda corrente e alimentamos o mal-estar que queremos combater.
Esse rapaz sabia que blefava, mas nem todos se dão conta do porquê das suas armaduras. Eu acredito que a gentileza é uma forma de resistência à brutalidade do mundo. Se a tirarmos do horizonte, então sim a guerra estará perdida.
A violência triunfará pela adesão de todos.