No Brasil atual, sentimentos de indignação represados num limbo de desesperança se converteram em silêncio ensurdecedor diante dos "sacrifícios necessários para a retomada do crescimento econômico" ou até em algo como um rancor por que as panelas silenciaram; também em intolerância à diferença, inclusive de opinião; em ódio expressado como "defesa" das "pessoas de bem vítimas da inversão dos valores na sociedade". E no Estado corrompido, o descompasso entre o tempo da política (exercida por delinquentes) e o tempo da justiça (a qual a maioria já se sente órfã), tem potencializado, de modo crescente, a violência civil nas ruas, nos presídios, nas escolas, em todos os lugares.
Em tal cenário tem se fortalecido um mal-estar e divisão social descrentes no país. Com a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, é mister consolidar um consenso: a delinquência política não é comportamento "de praxe" só de réus representantes de um ou outro Poder do Estado. A carne está fraca, mas antes, por que a moral está assentada em valores anêmicos. E não há sintoma mais claro do que a rotina desta ou outra Operação exibir a força da epidemia da corruptibilidade que nos enfraquece como nação.
Em rodas de conversa ou nas redes sociais, falamos ou já escutamos que "os políticos não prestam". Mas, especialmente este contexto de politicalha instalada pode nos ensinar que os políticos, ou os fiscais agropecuários ou os gestores sem escrúpulos não são simplesmente "eles" (os outros), e sim, que estão entre nós. Não se trata aqui de diluir culpabilidades no contexto da cultura vigente, mas de desnaturalizar tal cultura frágil às corrupções e pensá-la em perspectiva de mudança. Sentimo-nos indignados, mas, do que somos dignos se os que elegemos ou selecionamos estão aí e são partes de um "nós"?
Urge a cada um suspender a fala em terceira pessoa ("eles") se ela aponta para os outros e "faz esquecer" do agir reprovável "mas (...) que é pequeno", "é rapidinho", que "será só um pouquinho" e "ninguém irá ver". "O inferno são os outros" por que também são livres, mas, este excerto de Jean-Paul Sartre (1905-1980) não se refere só à impossibilidade de controlar o que o outro pensa, o que diz e o limite que impõe à nossa liberdade; também remete à nossa condição (não tão óbvia) de precisar do outro e de seu olhar para o conhecer-se e o poder agir eticamente. Sejamos "eu", "tu", "ele" a medida do que esperamos para "nós", para "eles". Nunca haverá um novo país se sempre reproduzirmos a mesma cultura.