Qual a semelhança entre The Walking Dead e The Apprentice? Ambos são divertidos enquanto seriados na TV, mas viram um pesadelo se passam a ser sua vida real. Apenas na primeira semana de presidência, Donald Trump conseguiu mobilizar milhões de mulheres ao redor do mundo, criando um movimento inédito de união contra o que ele representa. Mulheres que hoje são avós desfilaram com cartazes dizendo "Não acredito que ainda tenho que protestar contra essa m...", pois pensavam que certos direitos civis estavam conquistados. Contudo, como mulher e cientista, estarreceu-me o fenômeno a que assisti nos dias seguintes a esta marcha. Minha turma, os cientistas, que NUNCA haviam se organizado, criaram um movimento semelhante e estão se preparando para marchar em Washington.
Acho que o movimento pegou todos os cientistas, ao redor do mundo, de surpresa. E como analisar é nossa natureza, discutimos em rede global – como sempre fazemos – o que impulsionou esse milagre. Normalmente, não somos considerados muito importantes por mídia e governos, o que já não nos ofende. No Brasil, nem existimos como carreira ou profissão regulamentada. Repetidamente, temos fundos cortados em todas as crises Mas Trump, com seu Ministério do Contrário – em que cada um parece determinado a acabar com a pasta que recebeu! –, conseguiu em uma única semana atacar uma tríade fundamental para a ciência. Primeiro, não contentes em mencionar dúvidas quanto à evolução e ao aquecimento global, cunharam a expressão "fatos alternativos" – que, no mundo cientifico, são conhecidos como mentiras. Quando o Departamento de Parques liberou fotos da cerimônia da posse, mostrando como estava esvaziada, Trump ordenou imediata censura de agências como essa, e também a Agência de Proteção Ambiental. Finalmente, fechou a fronteira para pessoas de países que considera perigo de terrorismo, impedindo o trânsito de uma série de cientistas que moram e trabalham nos EUA. Segundo fatos alternativos, portanto, a posse estava lotada, não existe aquecimento global, as universidades não sabem triar seus profissionais, e não se deve mais falar sobre isso. Mentira, censura e isolamento por preconceito. As três coisas mais incompatíveis com ciência.
Do fundo do meu coração, preciso agradecer ao Trump e seus Ministros da Terra dos Opostos pelo que estão fazendo. Tantos hoje acreditam que a capacidade de gerir negócios é o mais importante na hora de gerir os interesses de uma nação. Mas pense no que mudou a sua vida: os que comercializam a eletricidade ou quem a descobriu? Quem trabalha para entender a natureza ou os que vendem medicamentos baseados nessas descobertas?
Nos últimos dias, Michael Eisen, um microbiologista, lançou-se como candidato independente ao Senado nos EUA. Mais um milagre? Justiça seja feita, nem todos os empresários são iguais. A rede Starbucks anunciou que vai empregar mais de 10 mil refugiados nos próximos cinco anos, e o Airbnb ofereceu a todos os afetados pelas novas leis de imigração um lugar para ficar até encontrar trabalho ou regularizar sua situação.
Tomara que meu povo no Brasil se inspire. Em tempo: em todos os cenários de apocalipse zumbi, a única esperança de salvação não é um grupo de bilionários espertos, mas um grupo de cientistas que se protegem por tempo suficiente para gerar uma vacina que protege a todos.
Todos. Não apenas os que podem pagar.
* Cristina Bonorino escreve mensalmente no Caderno DOC.