Sempre fui uma leitora voraz, graças à minha mãe, Heloiza Averbuck, que, independentemente de situações financeiras complicadas na minha infância, sempre deu um jeito de arrumar livros. A Feira do Livro de Porto Alegre, com seus até 90% de desconto nas publicações, era a grande época do ano pra mim. Eu voltava para casa abraçada naquelas pilhas e com o maior sorriso no rosto.
Um desses livros se chamava A Verdadeira História de Asdrúbal, o Terrível e foi um dos meus preferidos durante a infância. Foi publicado no ano em que nasci, 1979, mas chegou às minhas mãos em 1985. Foi amor à primeira leitura e logo minha mãe comprou outros livros da série. E foi assim que Elvira Vigna entrou na minha infância, e, mal sabia eu, na minha vida.
Elvira é, sem dúvida, uma das maiores e mais originais escritoras brasileiras. Ela tem dezenas de livros incríveis publicados, alguns infantis, muitos romances. Seu Nada a Dizer bateu fundo nas minhas entranhas. Que livro. Que escritora. E que mulher. Cheia de prêmios, cheia de honrarias. Não que isso importe em um país em que a Academia Brasileira de Letras é uma piada – e uma piada com bem pouco apreço às mulheres. A obra dela se destaca e vive independente disso.
Quando eu era jovem e louca tentei marcar uns encontros com ela. Uma das responsáveis por eu ter escolhido essa profissão que, via de regra (e toda regra tem suas exceções) faz com que a pessoa precise ter outros trabalhos para se sustentar. Tradução, preparação de texto, roteiros, peças de teatro, enfim; conheço pouquíssimos escritores que vivem da venda de seus livros. Marquei e não fui. Eu estava louca, afinal, mas ela não tinha nada com isso e não quis mais saber de mim.
Até este ano. Em 2016, conheci Elvira Vigna, sua casa, suas plantas, seu café, seu bolo e seu marido. Sentamos na sala por horas falando sobre Todas As Coisas e foi um dos momentos mais incríveis dessa vida. Eu estava na casa da Elvira, ela, a minha escritora preferida que ainda pisa sobre a mesma terra que eu. Que carrega muitas das mesmas angústias porque somos mulheres, somos escritoras e sabemos do nosso talento. Que sabemos exatamente o que nos atravanca o caminho.
Ficou tarde, autografei meu novo livro, deixei de presente e caminhei pro metrô feliz da vida.
Outro desses dias, quando já estava começando a sentir a pneumonia que me acometeu e a sinusite que não me abandona, minha amiga Monique Prada foi lá também, para conversar sobre o novo livro da Elvira, Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas. Não consegui sair de casa, quis muito, mas não deu.
Monique voltou com uma mudinha de arruda, presente da Elvira, que disse que estávamos precisando. Estávamos mesmo.
A mudinha cresce bem linda. Chegou aqui uma coisinha, mas tenho dado muito sol, água e amor e ela está crescendo no vasinho verde de cerâmica ao lado das outras coisas que eu plantei e curto tanto ver crescer. Todos os dias acordo, vou até a cozinha, faço meus chás e minhas bruxarias e vou lá ver as plantinhas. Ela é a primeira que vejo, cada dia maior, a mudinha de arruda que Elvira Vigna, a grande escritora brasileira, Elvira Vigna, uma das madrastas da minha escrita, Elvira Vigna, ela mesma, me mandou do Paraíso até a Consolação.
Obrigada, Elvira. Vou cuidar dessa plantinha e fazê-la crescer como cresceu a escritora em mim, com a outra mudinha que você me deu sem saber.